O atual sistema saiu de um pacto social assente sobre dois pilares: solidariedade e igualdade. Até 2005 existia um outro sistema com duas componentes: A. um fundo de saúde constituído pela cotização obrigatória das pessoas com baixos rendimentos (até 33.00 mil euros bruto), no qual também participavam os empregadores. B. As pessoas com rendimentos mais elevados, podiam fazer um seguro de saúde numa seguradora. As clínicas, consultórios e hospitais ofereciam melhores serviços às pessoas com rendimentos mais elevados que também conseguiam ser atendidas mais prontamente. Os outros, os menos afortunados, eram mais rapidamente confrontados com listas de espera e menos qualidade.
Atualmente todas as pessoas que residam ou trabalhem nos Países-Baixos estão obrigadas, por lei, a adquirir um “seguro de saúde base” (basisverzekering) junto de uma das seguradoras credenciadas, para o efeito, pelo Estado. A cobertura e o prémio do seguro são estabelecidos, por lei, pelo governo, todos os anos. A cobertura é praticamente idêntica em todas as seguradoras e engloba entre outros: médico de família, medicamentos prescritos por um médico, fisioterapia, cuidados hospitalares, incluindo consultas, tratamentos e cuidados de enfermagem, atendimento de emergência, próteses, assistência ao domicílio, ambulância e outros transportes de pacientes, saúde mental, cuidados de maternidade e cuidados obstétricos, custos odontológicos a menores de 18 anos. Se a pessoa o desejar pode pedir uma segunda opinião sobre um diagnóstico ou tratamento. Existem seguros complementares, por exemplo para custos odontológicos para adultos. O “seguro de saúde base” é válido em todo o mundo. Desta forma, todas as pessoas, independentemente da sua classe social e rendimentos, têm acesso a todos e aos mesmos serviços e cuidados de saúde que os médicos considerarem necessários.
As companhias de seguros são obrigadas a aceitar todos os interessados, sem qualquer tipo de restrição. As pessoas escolhem a companhia de seguros que mais lhes interessar e podem todos os anos mudar de companhia de seguros. As seguradoras estão obrigadas a prestar os cuidados e os serviços cobertos pelo seguro.
A prevenção, a qualidade e a boa gestão são do interesse das seguradoras
O Estado e o governo para além de negociarem o “seguro de saúde base” com as seguradoras acreditadas, controlam a acessibilidade, a disponibilidade, a execução e a qualidade dos serviços. O governo estabelece todos os anos o valor do risco pessoal. Os municípios concedem ajuda financeira aos moradores com dificuldades financeiras.
Preço médio de um “seguro de saúde base”,
por mês, em 2025: 157 euros (varia entre 177 e 141 euros)
Risco pessoal, anual, universal: 385 euros
O risco pessoal não é utilizado nos serviços de médico de família, parto e gravidez, assistência ao domicílio e custos odontológicos a menores de 18 anos.
Crianças e jovens até aos 18 anos são abrangidas pelo seguro dos pais, sem custos adicionais. Para eles, a saúde oral e mental está incluída no seguro.
As seguradoras têm obrigatoriamente, de ter o estatuto legal de cooperativa – organizações sem fins lucrativos, que não podem distribuir os lucros obtidos (dividendos). Os lucros destas seguradoras têm máximos legais e são usados para constituir uma reserva financeira, baixar o prémio da apólice, melhorar os serviços, financiar projetos e atividades de investigação e prevenção. Os diretores e os membros dos conselhos de administração destas seguradoras têm tetos máximos de remuneração, estabelecidos por lei.
Todos os profissionais no setor da saúde têm o mesmo contrato coletivo de trabalho nacional com uma descrição precisa de cada função e a escala salarial correspondente.
Nem o Estado, nem as companhias de seguros possuem hospitais, centros de saúde, clínicas ou consultórios. As companhias de seguros, acreditadas pelo Estado, contratam junto dos hospitais, centros de saúde, clínicas e consultórios (organizações, sem fins lucrativos) os serviços e cuidados de saúde de que necessitam para satisfazerem as suas obrigações. A procura de serviços de saúde é superior à oferta.
Nos Países Baixos existem quase 5 000 consultórios e centros de saúde onde trabalham mais de 13 000 médicos de família, tendo cada um máximo de cerca de 2 000 pessoas inscritas. Os consultórios e os centros de saúde são propriedade dos médicos ou dos psicólogos e dos psiquiatras (no caso da saúde mental). Cada consultório ou centro de saúde tem também, entre outros, médicos-assistentes e estagiários, administrativos, enfermeiros gerais e especializados e psicólogos generalistas. Da parte da tarde, quando necessário, os médicos de família vão a casa dos seus doentes. Após as 17 horas, nos fins-de-semana e dias feriados, em caso de urgência, as pessoas podem telefonar para o seu “centro de apoio”, regional ou municipal. O médico de serviço faz o aconselhamento e propõe, ao doente, que marque, na segunda-feira, uma consulta de urgência com o seu médico de família, ou que se dirija de imediato ao “centro de apoio”. Caso necessário, um médico vai a casa do doente ou é-lhe enviada uma ambulância que o transporta a um hospital.
Há obrigações contratuais que são para cumprir
Está fora de questão que estes fornecedores de serviços e cuidados de saúde não funcionem bem e com qualidade, ou não sejam acessíveis em tempo real. De facto, não há filas de espera, desde madrugada, à porta dos consultórios ou centros de saúde, não existem senhas para consultas que não são disponibilizadas, nem listas de espera irresponsáveis, nem urgências encerradas – de primeira ou segunda linha -, nem instalações sem qualidade. Não há greves, nem demissões coletivas de especialistas, nem pedidos de escusa, nem recusa de prestação de serviços, por exemplo da Interrupção Voluntária da Gravidez. As pessoas (doentes) não são maltratadas, nem têm de passar horas à espera, sozinhas, em corredores ou salas de espera repletas, insalubres e caducas. Nas urgências dos hospitais não há polícia de segurança pública, nem segurança privada que interpelam as pessoas ou impedem o seu acesso, não há telefones para as pessoas perguntarem se podem ir à urgência do hospital quando já estão à porta.
O Estado Neerlandês não tem nem nunca teve um hospital. Das 83 organizações hospitalares, todas são privadas à exceção dos seis hospitais universitários.
As organizações hospitalares privadas não podem, por lei, distribuir os lucros que realizam. As pessoas têm total liberdade de escolha.
Para além de escolherem a companhia de seguros, escolhem o consultório, o centro de saúde e o hospital que oferece os serviços e cuidados de saúde pretendidos. As pessoas escolhem também os profissionais que desejam. Está fora de questão que as pessoas tenham de pedir autorização (por escrito!) para mudarem de profissional de saúde. São as parturientes que escolhem a parteira que desejam, que nunca trabalha num hospital, mas que está sempre presente durante o parto. Os serviços de saúde mental não são prestados em hospitais. A desmedicalizaçâo da saúde mental, do parto e dos cuidados às parturientes é mais do que um slogan.
O que para uns é impensável, para outros é a normalidade
Neste sistema é impensável que um cliente de uma seguradora, credenciada pelo Estado para atuar neste mercado, tenha de esperar semanas por uma consulta de medicina geral (48 horas é o máximo acordado nos Países Baixos), meses por uma consulta de especialidade, um ano ou mais por uma cirurgia. É impensável que alguém tenha de esperar 10 horas ou mais na urgência de um hospital, por vezes, depois de ter percorrido dezenas de quilómetros para lá chegar. É igualmente impensável que um hospital recuse consultas solicitadas por doentes e pelo seu médico de família. As seguradoras, nos Países-Baixos, têm gestores de clientes que ajudam a encontrar as organizações que podem atender o doente com a urgência desejada.
O desempenho do sistema de saúde dos Países Baixos
Num estudo da The Commonwealth Fund Comparing, “Mirror, Mirror 2024”, esta fundação compara o desempenho do sistema de saúde em 10 países em cinco áreas: acesso ao atendimento, processo de atendimento, eficiência administrativa, equidade e resultados de saúde.No grupo de países estudado (Austrália, Canadá, Alemanha, Países-Baixos, Nova-Zelândia, Suécia, Grã-Bretanha e Estados Unidos da América) os Países-Baixos têm o 2º melhor desempenho e os USA o 10º pior. Na área “acesso ao atendimento”, os Países-Baixos têm o melhor desempenho do grupo.
Num estudo da OECD/European Commission (2024), “Health at a Glance: Europe 2024: State of Health in the EU Cycle”, os investigadores revelam que em 2022 a despesa média com a saúde na EU27 era de 10,4 do Produto Interno Bruto (GPD). A despesa dos Países Baixos com a saúde era de 10,1 do Produto Interno Bruto. A despesa de Portugal com a saúde era de 10,5 do GPD.
O mesmo estudo revela que na EU27 as despesas diretas das famílias com seguros e planos de saúde voluntários, eram de cerca de 15% do total das despesas de saúde dos 27 países. Nos Países Baixos, as famílias despendiam cerca de 10% da despesa total do país, em seguros e planos saúde voluntários. As famílias portuguesas despendiam cerca de 30% da despesa total nacional com a saúde, em seguros e em planos de saúde voluntários.
Este mesmo estudo investigou a “Confiança pública nas instituições governamentais” tendo chegado à conclusão de que mais de 2/3 dos cidadãos neerlandeses expressam confiança na capacidade do seu governo. A mesma opinião manifestou cerca de 1/3 dos cidadãos portugueses.
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