Quando Jorge Nuno Pinto da Costa assumiu a presidência do Futebol Clube do Porto, em 1982, deu início a uma narrativa que transcendeu o universo desportivo. Durante mais de quatro décadas, construiu uma identidade para o clube que ia para além do futebol, transformando-o num símbolo de orgulho e resistência do Norte de Portugal, numa altura em que essa afirmação marcou uma época.
Mais do que um emblema desportivo regional, o FCP passou a representar uma nação simbólica, evocando a história e a identidade portuguesas para se afirmar perante o centralismo lisboeta. Como defende Billing (1995), elementos como a linguagem patriótica desempenham um papel fundamental na construção de identidades coletivas, e Pinto da Costa soube utilizar essa ferramenta de forma inteligente, reforçando que “o Porto é uma Nação” nos seus posicionamentos, referindo-se ao Clube ao mesmo tempo que o transferia para a cidade.
Ao evocar Portucale como ponto de origem da Nação, reforçou a ideia de que o FC Porto era um bastião de resistência contra o poder central. O seu discurso nacionalista regional fortaleceu o sentimento de pertença dos adeptos e expandiu o orgulho portuense para toda a região Norte. Com a continuidade das conquistas nacionais e internacionais, consolidou uma identidade coletiva enraizada na vitória e no combate articulando os seus discursos com ironia e humor. Apesar desse “understatement” o ter tornado alvo de críticas, sendo muitas vezes acusado de regionalismo exacerbado e de dividir o país ao defender de forma intransigente a “nação portista” – um conceito que culminou no seu manifesto “Azul até ao fim”.
Essa “nação portista” foi um patchwork de valores que, apesar de contestados no universo do futebol devido às suas práticas do dirigismo, foram fundamentais para a construção de uma narrativa de resistência face ao centralismo. A altivez do Norte, cultivada por Pinto da Costa, consolidou uma postura de desafio ao poder instituído, evocando a simbologia da batalha de David contra Golias. No período pós-25 de Abril, com o Norte a afirmar-se económica e desportivamente, essa região passou a ser vista como uma força independente, em oposição a um Sul centralizador e detentor de uma mentalidade colonial dissipando-se ao longo dos anos com o crescimento do turismo e a marca Portugal.
Eric Hobsbawm (1990), em Nations and Nationalism since 1780, defende que o desporto de alto rendimento pode funcionar como uma “religião secular”, reforçando sentimentos nacionalistas. No contexto do FC Porto, essa ideia materializou-se com intensidade. Sob a liderança de Pinto da Costa, o clube transformou-se num autêntico templo moderno, onde os rituais do futebol iam além das conquistas desportivas e convertiam-se em expressão de orgulho regional e resistência. O Estádio do Dragão é considerado mais do que um palco de jogos: é um símbolo da identidade portuense a nível internacional.
A construção dessa identidade, fundamentada na partilha de símbolos, rituais e narrativas comuns, pode ser interpretada à luz da teoria de Benedict Anderson (2008) em Comunidades Imaginadas. Anderson argumenta que as nações são “comunidades imaginadas“, isto é, são construções sociais que se formam a partir da imprensa escrita e do capitalismo impresso.
Pinto da Costa incorporou esse conceito de forma orgânica até na preparação do seu funeral, explorando como a consciência de pertença pode ser cultivada mesmo entre indivíduos que nunca se conheceram pessoalmente. Esse fenómeno explica as homenagens e manifestações de pesar pelo seu falecimento em diversas partes do mundo, revelando a amplitude do seu impacto, bem como os sentimentos negativos em relação ao clube, internamente após a sua derrota em maio de 2024 e por parte dos seus adversários Sporting e Benfica.
Mais do que um dirigente desportivo, Pinto da Costa foi um arquiteto de identidades. Utilizou o futebol como ferramenta para moldar narrativas de pertença, tal como os jogadores brasileiros ou emigrantes portugueses mantêm vínculos com as suas origens através do desporto. Nunca perdeu de vista o seu papel como defensor da “nação portista” e como símbolo do nacionalismo português. O seu legado permanece marcado pela resistência, pelo orgulho e pela capacidade de transformar um clube de futebol num fenómeno identitário de dimensão internacional engolindo a própria cidade que o viu nascer.