Ao longo da História certas práticas – mais comuns em Países orientais – utilizaram a formação de nódoas negras como forma de “tratar” variadíssimas doenças. Estes métodos, baseados em crenças populares e em pseudo-ciência, incluem entre vários métodos a utilização de pequenos recipientes para atuarem como ventosas. A “cupping therapy” (ou “ventosaterapia”) pode ser aplicada a seco, com líquidos ou mesmo com fogo (pequenas chamas), e causa essencialmente hematomas, de diferentes dimensões, verdadeiras nódoas negras. Alguns leitores lembrar-se-ão da utilização da ventosaterapia por Jackie Chan no filme Karate Kid IV (muito menos popular que os três primeiros filmes dessa clássica saga de ação dos anos 80 do século XX), verdadeiramente milagrosa e curativa que permite o protagonista regressar a um combate de karaté. Mas, sem ser em momentos de ficção, a utilização de tais práticas ainda não foi demonstrada como tendo qualquer base científica sólida. A utilização de ventosaterapia está, sim, relacionada com o aparecimento de hematomas, nódoas negras com maior ou menor dimensão e severidade.
Uma “nódoa negra” é clinicamente definida como um extravasamento do sangue para tecidos vizinhos (hematoma) após um trauma que danifique os capilares sanguíneos. Um sangramento nos tecidos subcutâneos que tenha pelo menos um centímetro de diâmetro é também conhecida por “equimose”; pequenas manchas que possam aparecer na pele (menores que um centímetro de diâmetro) são denominadas petéquias.
Ao pesquisar e tratar um hematoma causado por uma contusão violenta poder-se-á fortuitamente descobrir a presença de uma alteração celular que poderia levar ao aparecimento de cancro. Isto não implica que essa contusão seja responsável pela alteração celular
Excluindo doenças associadas ao processo de coagulação sanguínea, a principal causa de nódoas negras são contusões resultantes de pancadas e lesões físicas que resultam na rotura dos vasos sanguíneos imediatamente subcutâneos. Logicamente, quanto maior a força, maior a contusão e mais extensa ou severa a nódoa negra resultante. As pessoas do sexo feminino têm maior tendência a desenvolver nódoas negras uma vez têm maior quantidade de gordura subcutânea. As nódoas negras são também mais frequentes em pessoas de idade mais avançada, por terem pele com menor elasticidade e menor espessura.
Um dos temas frequentemente revisitados no contexto da incidência de doenças oncológicas, como é o caso do cancro da mama, é a relação entre contusões (pancadas) e o risco de poder vir a desenvolver um cancro. Em outras palavras, muitas pessoas questionam se uma pancada violenta poderá aumentar o risco de desenvolvermos um cancro, nomeadamente na mama.
A evidência científica nega qualquer relação entre as contusões e a incidência de cancro. Uma pancada, mesmo se aplicada a uma glândula como a mamária, resultará em dor e poderá causar, dependendo da intensidade e dimensão da lesão, um hematoma mais ou menos extenso. Esse tipo de lesão tende a resolver-se, através de um processo de cicatrização e de absorção dos fluídos extravasados dos vasos sanguíneos danificados. Não existe, à data, qualquer ligação entre este tipo de lesão e a maior incidência de cancro da mama, por exemplo.
Há, no entanto, que realçar o seguinte: para investigar as causas e a severidade das nódoas negras poderão ser utilizadas técnicas de imagem e outras, o que pode vir a revelar a presença inesperada de pequenas alterações celulares (eventuais precursoras de um cancro). Ou seja, ao pesquisar e tratar um hematoma causado por uma contusão violenta poder-se-á fortuitamente descobrir a presença de uma alteração celular que poderia levar ao aparecimento de cancro. Isto não implica que essa contusão seja responsável pela alteração celular. Como já discutimos em várias crónicas anteriores, dois acontecimentos que ocorrem ou se descobrem juntos não implicam causalidade.
Nos filmes Karate Kid a utilização de práticas menos comuns para “melhorar” a performance muscular dos protagonistas é impressionante e passou a fazer parte do nosso imaginário enquanto espectadores. Essas práticas “alternativas” normalmente são implicadas como uma possível solução para um problema que, na maior parte das vezes, é sério e não são suportadas por evidência científica. Que tais práticas fiquem pelo universo dos filmes e não extravasem para a realidade, é o que podemos desejar.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.