Sobre a comunicação ao País de Luís Montenegro, já quase tudo foi dito, no que diz respeito ao conteúdo e à forma. O primeiro-ministro falou à hora dos telejornais para recordar um facto evidente e, de imediato, contribuir para alimentar a perceção contrária. “Portugal é um país seguro, Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas é preciso não viver à sombra da bananeira de uma performance passada”, afirmou Luís Montenegro, a partir de São Bento.
Deixo de lado as questões da política de segurança, centro-me na escolha das palavras (um exercício que pode ser considerado trivial, concedo). E arrisco dizer que terá sido a primeira vez que um chefe de governo – não propriamente num ato solene, mas numa comunicação importante, porque inédita, desde logo – terá usado a expressão “à sombra da bananeira”. São só palavras – e palavras, como dizia o outro, leva-as o vento? São apenas palavras e, sobretudo, no tempo da escrita automática, do ChatGPT e da disseminação viral, as palavras não importam assim tanto?
Tanto importam que, em dezembro, ainda é costume eleger-se a palavra do ano. Não sei se, no atual ambiente mediático, acelerado pelas lógicas algorítmicas, a velha tradição jornalística de fazer balanços continua a suscitar grande interesse. Admito que sim, pelo menos junto dos leitores e das leitoras da VISÃO, para os quais ainda é capaz de fazer sentido abrandar o ritmo para ler e, em dezembro, refletir sobre a passagem inexorável do tempo.
A Oxford University Press acaba de anunciar que, em 2024, a sua equipa de linguistas escolheu brain rot como a palavra do ano. Em português, a expressão quer dizer qualquer coisa como “podridão cerebral” e, segundo os especialistas da editora, a sua utilização aumentou 230% nos últimos meses, em particular no TikTok, entre os utilizadores da Geração Z e da Geração Alfa. Porém, o primeiro registo de brain rot foi encontrado, em 1854, no livro Walden, de Henry David Thoreau, a propósito da importância de levarmos uma vida simples, rodeados de natureza. Pergunta o escritor, crítico do rumo que então levava a industrialização americana: “Enquanto a Inglaterra se esforça por curar o apodrecimento das batatas, ninguém se esforçará por curar o apodrecimento do cérebro – que prevalece de forma muito mais generalizada e fácil?”
Os linguistas da Oxford University Press consideram que, na era digital, o termo brain rot ganha um novo significado. Aplicam-no aos impactos negativos do consumo excessivo de conteúdos online e definem-no como “a suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa”, resultado sobretudo do contacto com conteúdos “pouco desafiantes” e de “baixa qualidade”. No século XIX, Thoreau, por seu lado, criticava a tendência para desvalorizar ideias complexas e via nisto um sinal de um certo declínio cultural.
Em 2023, a palavra escolhida pela Oxford University Press também estava associada às redes sociais: rizz, uma abreviatura de charisma (em português, “carisma”). A esse propósito, Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, entende que, a partir desta eleição, é possível “ver a crescente preocupação da sociedade com a forma como as nossas vidas virtuais estão a evoluir, a forma como a cultura da internet está a permear muito daquilo que somos e do que falamos”.
Entre nós, a Porto Editora também tem levado a cabo uma iniciativa semelhante. O processo de escolha é diferente: baseia-se nos meios de comunicação e nas redes sociais, mas também nas pesquisas dos dicionários online da Porto Editora. No caso português, as palavras eleitas relacionam-se menos com tendências e estão mais ligadas à atualidade. Ora veja-se a lista das vencedoras: esmiuçar (2009), vuvuzela (2010), austeridade (2011), entroikado (2012), bombeiro (2013), corrupção (2014), refugiado (2015), geringonça (2016), incêndios (2017), enfermeiro (2018), violência doméstica (2019), saudade (2020), vacina (2021), guerra (2022) e professor (2023). Para 2024, até ao fim do ano, estão a votos os seguintes termos: auricular, conflitos, fogos, imigração, inclusão, INEM, jovem, liberdade, polícia e transportes.
Também a The Economist já escolheu a palavra do ano, na sequência da vitória de Donald Trump: kakistocracy, ou seja, “o governo dos piores”. Como escreve o jornalista inglês, a expressão não era usada na Antiguidade, mas é um antónimo moderno de “aristocracia”, da ideia do “governo dos melhores”. Acrescenta ainda que kakistocracy tem a sonoridade do vidro quando se parte – o som das palavras vulgares e, muito provavelmente, o cheiro insuportável das batatas quando estão podres.
Breviário
Há quem queira ser europeu
Tem sido comovente ver as imagens das manifestações nas ruas de Tbilisi e de outras cidades da Geórgia, antiga república soviética que pretende seguir os passos da Moldova e da Ucrânia na aproximação à União Europeia (UE). Um verdadeiro exemplo, os milhares de georgianos que se opõem à decisão governamental de suspender as negociações de adesão e, contra as cargas policiais, orgulhosamente, erguem bandeiras da UE. E uma lição, sobretudo, para os cidadãos europeus que, no momento do voto, se têm refugiado nas respostas dos partidos nacionalistas.
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