Não sei se já ouviram dizer que destino dar à brutal área de terreno agora ocupado pelo Aeroporto de Lisboa no dia em que este fechar e for deslocalizado na totalidade para Alcochete. Mas a discussão já foi iniciada na Assembleia Municipal de Lisboa, sugerindo-se para já a construção de uma imensa zona verde, que bem poderia chamar-se Parque Humberto Delgado.
Quando chegar o último dia do funcionamento do aeroporto de Lisboa, o atual Parque de Monsanto estará perto de completar 100 anos; de verdade, revejam fotografias da época e vão lembrar-se que se tratava de umas elevações de terreno com muito baixa densidade vegetal, servindo para pouco mais do que pasto de gado. Monsanto, como o conhecemos agora, foi plantado: um projeto pensado por Keil do Amaral, a que um despacho de Duarte Pacheco deu possibilidade de vida a partir de 1934. O corredor verde, que agora o liga à cidade, foi sempre referido por outra figura icónica, Ribeiro Telles, cujo plano foi durante décadas ridicularizado e esquecido até ser finalmente concretizado.
O espaço do atual aeroporto só pode vir a ser o segundo “pulmão” de Lisboa, cada vez mais submersa pela circulação de veículos que diariamente entram e saem de uma cidade demasiado voltada para os turistas, inabitável do ponto de vista habitacional pelos verdadeiros lisboetas que, ano após ano, não tendo hipótese de compra ou aluguer de casa, são cada vez mais afastados para os concelhos limítrofes: Loures, Odivelas, Amadora, Oeiras, Cascais e Sintra, entre outros.
Os grandes projetos começam por ser considerados ridículos ou megalómanos, para depois serem cada vez mais arquitetados de forma séria e coerente enquanto desejo coletivo a erguer a breve prazo
Era bom que esse plano fosse desde já assumido, travando ideias de mais e mais especulação imobiliária futura que uma cidade de pessoas e para as pessoas já não suporta. Se juntarmos a essa ideia outra que parece estar a ser traçada sob o designado “Arco Ribeirinho Sul”, com os municípios de Almada, Barreiro e Seixal, então talvez faça sentido pensar numa imensa área virada para o azul do rio e o verde que o circundaria.
As ligações teriam de ser também possíveis entre os diversos pontos-chave. Não são teoricamente complexas, penso. Basta tomar como exemplo a High Line (planeada e construída de 2004 a 2023) em Nova Iorque, em que a reabilitação verde de uma imensa linha aérea (de comboio) desativada, para pensar numa estrutura semelhante, unindo acima do solo a zona do atual aeroporto ao Parque de Monsanto, seguindo um trajeto semelhante ao da atual Segunda Circular e, para nordeste, através de percurso semelhante até ao atual Parque Tejo.
Enfim, Lisboa e concelhos limítrofes unidos, em maior proximidade e comunhão de zonas de lazer e vivência coletiva através da partilha de espaços verdes: porque não?
Os grandes projetos começam por ser considerados ridículos ou megalómanos, para depois serem cada vez mais arquitetados de forma séria e coerente enquanto desejo coletivo a erguer a breve prazo. Precisamos deles e, no caso dos terrenos do atual aeroporto, ainda mais quando pensamos no futuro dos nossos filhos e, já agora, dos netos.
Falta referir três pontos que, pessoalmente e no plano de um espaço aberto às pessoas e às suas necessidades psicossociais, não deixo de imaginar como necessários: habitação jovem (com alugueres a cinco anos) porque este país ainda não é para “novos”, habitação para idosos com cuidados domiciliários integrados, porque este país também não é para “velhos” e, finalmente, espaços de desporto e lazer.
Neste último, talvez no lado noroeste da atual área, imaginar o regresso de algo que sempre fez parte do imaginário dos lisboetas de mais idade: uma “Feira Popular”, ou seja, um bom parque de diversões devidamente integrado e blindado numa zona verde envolvente.
Sonhar é possível? Com certeza que sim. Veremos, um dia, todos os nossos sonhos realizados? Não, com certeza, Mas podemos falar deles, certo? Até para percebermos se estamos certos ou errados.
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