Na Redação, enquanto seguimos a noite eleitoral e fechamos mais uma edição semanal da VISÃO, depois do resultado épico dos sportinguistas contra o Manchester City, diz-se que, agora, só faltava que Kamala Harris conseguisse vencer as eleições americanas por uma margem confortável.
Nota prévia para o senhor Jeff Bezos – que, como é evidente, nunca lerá estas linhas – e seus correligionários portugueses: o facto de defender a vitória da atual vice-presidente não faz de mim uma jornalista menos independente, rigorosa e credível, mas apenas alguém que prefere posicionar-se do lado digno da História, contra os que se deliciam em ver a casa a arder e, para lançar o caos, admitem até não respeitar resultados eleitorais.
Quero acreditar que as mulheres americanas, desagradadas com os retrocessos civilizacionais dos últimos anos, se mobilizaram para votar em Kamala Harris. E que essa mobilização feminina pode fazer a diferença nos EUA e, por arrasto, no mundo
Apesar da recente sondagem do Iowa, à hora em que escrevo, quando as urnas acabam de fechar na Geórgia, a frase mais sensata de escrever continua a ser a de que Trump e Harris estão empatados nos estados decisivos. O que não me impede de dizer que quero acreditar que as mulheres americanas, desagradadas com os retrocessos civilizacionais dos últimos anos, se mobilizaram para votar em Kamala Harris. E que essa mobilização feminina pode fazer a diferença nos EUA e, por arrasto, no mundo.
É tudo verdade o que se diz sobre Kamala: que não tem o carisma de Joe Biden nem a eloquência de Barack Obama, que não entusiasma ninguém de forma arrebatadora, que não foi capaz de explicar de forma clara o seu programa económico e que, por razões táticas, durante a campanha, foi muito pouco transparente nas questões fraturantes, capazes de afugentar o eleitorado democrata mais moderado.
Também é verdade que, mesmo que Kamala Harris vença as eleições americanas de 2024 nas urnas, Donald Trump – bem como todos os outros líderes mundiais com tiques ditatoriais – já ganhou quando se admite que alarvidades como “a ilha de lixo” sejam ditas em público sem apelo nem agravo. O politólogo português Vicente Valentim disse muito bem quando chamou a este fenómeno – político, mas também psicológico e sociológico – o fim da vergonha.
Não é preciso ter especiais poderes adivinhatórios para saber que, mesmo que Harris vença, Trump não vai aceitar a derrota de ânimo leve. Quando essa hora chegar, e eu espero ardentemente que chegue, cabe-nos a nós fazer-lhes frente. E demonstrar-lhes, com todos os factos e argumentos, que somos muitos os que estão do lado digno da História.