Após meses de suspense, reforçado ainda com um adiamento por causa das eleições europeias, Mario Draghi apresentou finalmente o seu relatório sobre o futuro da União Europeia, uma reflexão mais do que justificada, numa era de grandes tensões e de mudanças para o mundo. Em cerca de 400 páginas, em que a palavra competitividade é repetida 728 vezes, o homem que ganhou créditos por ter resolvido duas missões quase impossíveis – salvar o euro após a crise financeira e estabilizar a economia italiana ao fim de décadas de convulsões – não poupou na tinta ao procurar retratar a ameaça que paira sobre a Europa, face aos avanços e ao poderio dos gigantes EUA e China. E soube ser também certeiro nas palavras. A Europa está perante “um desafio existencial”, declarou. E avisou que a única maneira de sobreviver é “tornarmo-nos mais produtivos, preservando os nossos valores de equidade e inclusão social”. Numa frase: “A Europa precisa de mudar radicalmente.”
É difícil não concordar com o diagnóstico de Mario Draghi. Basta ter observado, com um mínimo de objetividade, como o mundo foi evoluindo para se chegar à conclusão de como foi errada a tripla dependência a que a Europa se entregou no início deste século: dependência energética da Rússia (com a honrosa exceção da Península Ibérica!), dependência militar dos EUA e dependência industrial e manufatureira da China. Em qualquer uma dessas opções prevaleceu a lógica do lucro imediato – através da compra a custos menores ou até do usufruto sem necessidade de investimento avultado –, em vez de estratégias orientadas para o longo prazo e imunes a qualquer sobressalto geopolítico ou crise económica.
Chegou, portanto, o momento de mudar. De saber aproveitar o conhecimento que a Europa sempre soube gerar, ao longo de séculos, e fazer tudo para não cair na desorientação e, pior do que isso, na insignificância face aos gigantes já consolidados e aos outros que se estão a formar.
Mas se ninguém consegue discordar abertamente do diagnóstico de Draghi, já algumas das soluções que apresenta mereceram rapidamente o repúdio de vários setores. Em especial, nos países onde mais se sente a crise da indústria europeia, como é o caso da Alemanha. Não só porque a crítica lhes feriu o orgulho, mas sobretudo porque Draghi propõe um plano de investimento colossal, da ordem dos 8 mil milhões de euros anuais – o dobro do Plano Marshall do pós-guerra –, financiado através da emissão regular de dívida conjunta, que deixou muitos políticos alemães em choque.
Concorde-se ou não com todo o plano de Mario Draghi, parece evidente que a Europa só poderá ser mais competitiva se for mais unida, mais coesa e, acima de tudo, mais solidária, ou seja: se souber funcionar como um verdadeiro bloco, em que as melhores ideias podem ganhar espaço para se desenvolverem, em cooperação estratégica, num mercado alargado, com gastos e benefícios conjuntos.
Numa era em que os partidos eurocéticos vão ganhando espaço eleitoral, e em que as ideias dos populistas, contrárias à equidade e justiça económica e social, contaminam cada vez mais partidos do centro, é mais do que oportuno poder ter à disposição um relatório que nos indica que, afinal, a União Europeia pode estar à beira do precipício. E que só sobreviverá, com os valores e o progresso social que a caracterizou, se souber aprofundar a sua coesão. Até porque o abismo pode estar mais próximo do que muitos pensavam.
E, no entanto, ela voa
Há mais de trinta anos que andamos a discutir a privatização da TAP. Já o fizemos em épocas propícias a bons negócios, mas também em períodos de crise, em que o valor da transportadora se tornou insignificante. Pelo meio, fomos tendo as mais diversas estratégias, que tão depressa passaram por uma aposta nas rotas para o Oriente (antes da entrega de Macau à China) como para um recuo que pretendia transformar a companhia numa “transportadora regional”, até se ter aproveitado, finalmente, a potencialidade geográfica do hub de Lisboa e apostar-se, com bons resultados, nos fluxos transatlânticos. No meio de tantos momentos de confusão e de desvarios, a verdade é que a TAP continua a ser uma grande empresa portuguesa, fundamental para a economia. Deveria ser também relevante para a autoestima coletiva. Um fator de união e não de desunião, como infelizmente tem acontecido.
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