Nos últimos dias estive em Chicago, onde assisti à Convenção Democrata (DNC) e participei em alguns eventos de think tanks relacionados com a mesma.
De todos os discursos que ouvi queria salientar 3 tópicos: um que foi sem dúvida o mais saliente; um que foi falado, mas que devia ter sido muito mais; e um que é sem dúvida o mais problemático e pode afastar muitos eleitores progressistas.
O primeiro é o aborto, o tópico central da Convenção. Altamente relacionado com o tema da Liberdade – a que se dedicou o terceiro dia – o spin sobre o aborto mudou nos últimos meses.
Algumas pessoas com quem falei na Convenção reforçaram a ideia que já tinha construído apenas ao ver Tiktoks com narrativas pessoais: o ângulo central é agora a saúde da mulher, mesmo daquela que quer ter filhos, planeou a gravidez e, por problemas com o feto, o médico recomenda a interrupção da gravidez. Em alguns Estados, mesmo nestas situações, os médicos têm receio de fazer a intervenção, levando as mães a ter de esperar dias ou semanas para darem à luz um nado morto e, em muitos casos, correrem risco de vida e/ou deixarem de poder engravidar outra vez.
Esta narrativa entra em contradição direta com a ideia “das mulheres irresponsáveis que engravidam e agora querem matar a criança por serem egoístas”. Estas histórias que são agora muito partilhadas podem ser de qualquer mulher.
O segundo tema, que devia ter sido muito mais abordado, é as alterações climáticas. Foi levemente tocado em intervenções no últimos dia da Convenção, mas o nível de urgência e de impacto mereciam mais destaque. O que isto nos diz é que não é um tema suficientemente “sexy”, que o Partido Democrata acha que vai virar votos ou levar indecisões a decidir. Sendo ou não “sexy”, o relógio não para. Não nos podemos dar ao luxo de isso não ser um tema central.
Por fim, o grande tema fraturante e problemático: a guerra na faixa de Gaza. Ao sair da Convenção no último dia vi vários protestos, sendo o maior de pessoas com cruzes a imagens de fetos que se manifestavam contra o aborto, mas também várias pessoas a manifestar-se contra o genocídio em Gaza. Várias ruas da cidade de Chicago tinha autocolantes e mensagens de apoio a Gaza.
O tema devia ser óbvio, mas a própria candidata do Partido demonstrou as suas contradições do discurso final: querem apoiar Israel no seu direito à defesa e garantir a libertação dos reféns do Hamas, mas querem também apoiar Gaza pelo seu direito a autodeterminação e pôr fim à crise humanitária. Qualquer acordo que se faça, qualquer cessar-fogo parece vir tarde e o partido não consegue garantir a simpatia de grandes financiadores pro-Israel e, ao mesmo tempo, de uma grande parte da base de apoio que não compreende (e bem) a venda de armas a um país que está a cometer Genocídio.
Para alguns a solução pode passar por apoiar um terceiro candidato ou mesmo preferir que Trump ganhe porque esperam que a insatisfação seja tal que dê ainda mais força aos protestos. Eu não tenho solução para este problema, apenas narro o que assisti… Contudo, a nível pessoal, por muito pequena esperança que tenha num bom acordo para terminar esta tragédia, essa pequena esperança está com a vitória de Kamala contra Trump.
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