Perdoem-me os leitores se ofendi com este início de texto, mas garanto que o que tinha pensado inicialmente era muito pior. Há anos que o fenómeno se disseminou, mas tenho-o notado a aumentar consideravelmente, e às tantas é um flagelo social de que pouco se fala: o facto de as pessoas não saberem estar de férias. Um tempo pelo qual suspiram durante todas as semanas em que estão a trabalhar – vá-se entender.
Mas comecemos pelo início, e não há nada como voltar à origem etimológica das palavras para nos ajudar quando precisamos de explicar algo: do latim “feria, -ae, singular de feriae, -arum, dias de descanso, dias feriados, férias” (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]).
Em Portugal, a lei determina que o período de férias não pode ser inferior a 22 dias úteis por ano. No grande esquema das coisas, nem sequer estamos a falar de uma enormidade de dias. Quatro semanas – pouco mais – das 52 que compõem o ano civil. Muitas pessoas queixam-se de que é pouco tempo, aquele que temos dedicado ao descanso, e talvez por isso me deixe cada vez mais preocupada a forma como as estamos a viver.
Em 2018, um estudo do instituto Gallup que considerou 7,5 mil profissionais norte-americanos demonstrou que 67% deles sofriam de burnout (ou esgotamento). Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o burnout na Classificação Internacional de Doenças, definindo-o como “fenómeno ocupacional” e não como condição médica.
Uma outra investigação, levada a cabo em fevereiro de 2023 pelo Future Form, reuniu 10 243 profissionais de várias partes do mundo e revelou novos dados: 42% dos participantes sofriam de burnout – o número mais elevado desde maio de 2021. O fenómeno, que não é novo, registou um pico durante a pandemia de Covid-19, mas quatro anos depois não há muitos sinais de abrandamento. Aliás, bem pelo contrário. Com todos os dados e números na mão, os alarmes soam ainda mais estridentes: por que não conseguimos descansar quando devemos?
Grande parte das vezes por [mau] exemplo das lideranças, os trabalhadores não conseguem passar os seus períodos de descanso – obrigatórios por lei! – sem verificar emails, responder a mensagens ou atender telefonemas. A disseminação dos computadores portáteis e dos smartphones veio agravar uma tendência que parece resistir a todas as regras do “Direito a Desligar”.
Faça o exercício comigo: quantas mensagens automáticas recebe, de pessoas que estão em férias, que dizem “Estou de férias e com acesso limitado ao email”? Aposto consigo que são mais de 90% dos casos. E até lhe digo como tenho tanta certeza. Porque praticamente ninguém lê a mensagem automática que recebe do meu email, durante as minhas férias, e que diz o seguinte: “Estou de férias até dia X. Durante este tempo todos os emails vão ser automaticamente apagados. Se a sua mensagem continuar a fazer sentido depois dessa data, por favor volte a enviar. Para assuntos URGENTES contacte Y”. O que significa que eu passo muito tempo a recusar chamadas ou a, no meu regresso, receber emails que dizem: “não viu o email abaixo?”. Não. Não vi. Porque durante as férias não vejo emails. Nem mensagens de trabalho – a menos que seja sem querer. Nem atendo telefonemas que não sejam antecedidos por um sms a dizer “Urgente!”.
Uma mensagem automática de email, em período de férias, que diga que alguém vai ter acesso limitado ao correio eletrónico devia ser proibida por todas as chefias deste País. Por uma razão simples: em tempo de férias não se trabalha. Se houver uma urgência, qualquer pessoa pode ser contactada pelo telefone. Mas nada disso deve acontecer a menos que seja uma urgência. Daquelas com letra maiúscula e a negrito.
É espantoso, na mesma medida, que figuras com responsabilidade pública como é o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, insistam em referir que durante o tempo de férias vão ler este ou aquele documento oficial – mesmo que o façam, não o devem dizer publicamente. Por uma questão simples: estão a passar a mensagem de que se deve trabalhar nas férias. E isso não só é errado, como vai contra a lei.
Numa altura em que tanto se fala de saúde mental e em que empresas e Estado se esforçam por mostrar que estão preocupados com o assunto, não deixa de ser alarmante perceber que são poucos os que dão importância a algo que seria muito simples: respeitar o tempo de descanso das pessoas, dando exemplo sempre que a isso forem chamados. E confiem em mim. O mundo não acaba quando tiramos férias. É muito palerma pensar que somos assim tão insubstituíveis no nosso trabalho. Para as empresas nunca seremos. Para os nossos, quando ficarmos doentes ou pior à conta desta cultura absurda de mostrar que estamos sempre disponíveis, será uma tragédia.