1. Gravíssimos, infames, bárbaros são alguns dos adjetivos com que se pode qualificar os crimes contra imigrantes perpetrados no passado sábado, no Porto. Por todos considerados, obviamente, “inaceitáveis”, não basta, porém, condená-los e investigá-los para descobrir quem foram os seus autores materiais. Ou seja, impõe-se também: a) investigar, função imediata das polícias, os grupos a que possam estar ligados e que porventura sejam até coautores (morais) dos crimes; b) investigar, analisar e combater, para lá dessa função imediata das polícias, as organizações, de qualquer tipo, que criam o caldo ideológico na base do ódio, da xenofobia, da violência contra imigrantes, ciganos, “não brancos” mesmo portugueses – alguns até assassinados.
Saliente-se que estes crimes no Porto tiveram, em relação à generalidade dos que os antecederam, a particular agravante de as agressões não se terem verificado no decurso de qualquer suposto conflito ou incidente, ou sequer na rua, mas na residência das vítimas, assaltada pelos criminosos. Saliente-se ainda que um qualquer “enquadramento” destes crimes numa certa situação ou realidade nunca pode servir de atenuante, só evidencia o extremo a que se chegou e a urgência de um combate: um combate decisivo – por todas as formas, mormente preventivas – para derrotar a reconhecida crescente ameaça aos Direitos Humanos e à simples “decência” de movimentos neonazis ou neofascistas, da extrema-direita racista, populista, xenófoba.
2. A propósito destes crimes, falou-se da necessidade de promover a integração e inclusão social dos imigrantes. Todos estaremos de acordo sobre essa necessidade, e admito que, a concretizar-se, poderá contribuir, a prazo, para diminuir conflitos e alguns crimes de ódio. Mas parece-me claro que, impondo-se por outra ordem de razões, esse não é o remédio adequado para a doença que urge tratar. Até pode acontecer que, dadas melhores condições de vida aos imigrantes, muitos xenófobos e racistas mais se insurjam contra eles, mais os hostilizem e ataquem mais.
O remédio potencialmente adequado, embora de posologia muito complexa e difícil, é: a) campanhas de esclarecimento, mormente sobre a necessidade que o País tem de imigrantes, as falsidades propaladas a seu respeito, e muitos outros temas, pelos extremistas de direita; b) investigação, denúncia e, quando for o caso, punição de quem comete os crimes e das organizações a que esteja ligado, de quem prepara e faz a apologia do caldo ideológico que está na sua base.
3. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa teve uma série de declarações num jantar com jornalistas da Imprensa estrangeira, sobre as quais já muito foi dito e não cabe aqui analisar. Limito-me a dizer que as considero pelo menos despropositadas e lembro que naqueles jantares, que se realizam há décadas, o aí dito sempre foi off the record – o que, pelos vistos, com Marcelo deixou de ser…
Entre essas declarações, uma, referente a “reparações” às ex-colónias, suscitou especial controvérsia e contestação. Tudo legítimo. Ilegítimo, além de calunioso, é acusar o Presidente de “traição à Pátria”, por ter defendido o que defendeu.
Tal acusação revela o tipo de mentalidade e de métodos que vêm da ditadura. De facto, antes do 25 de Abril, a PIDE e próceres do regime tirânico acusavam de traição à Pátria quem defendia a independência dos hoje novos países de língua portuguesa. O Chega, que é quem faz a acusação, segue-lhes as pisadas. Com a enorme agravante de o acusado ser agora o Presidente da República democraticamente eleito pelos portugueses.
Ora, se o cidadão Marcelo pode dizer, com ligeireza, que isto é “a democracia” a funcionar, o Presidente tem o dever, com a responsabilidade e dignidade que o cargo exige, de reagir e agir de outro modo. Porque, sem nenhum fundamento, acusar o Presidente de “traição à Pátria”, e isso não ter consequências, é exatamente o contrário do que Marcelo disse: é a democracia a não funcionar… E é também este tipo de coisas que contribui para deteriorar a situação que vivemos.
À MARGEM
“Crime”, dizem eles!…
Além da acusação verbal de “traição à Pátria”, que no texto ao lado comento, André Ventura anunciou que iria talvez apresentar mesmo uma queixa contra o Presidente, acusando-o daquele alegado crime. E já depois de escrito o texto, chega-me a notícia de que o Chega decidiu mesmo avançar com tal queixa.
Confesso, mais do que perplexidade, o meu enorme espanto. Mesmo atendendo tratar-se de Ventura e do Chega, nunca pensei que isto pudesse acontecer, supondo a sua “ameaça” ser apenas mais uma manobra de propaganda, para fazer falar de si e do partido, o que, aliás, como de hábito, conseguiu.
Ultrapassou e ultrapassou-se tudo. É indiscutível que tal queixa não tem o mínimo de razão, e se possível ainda menos fundamento jurídico. E é óbvio que tal queixa está votada ao completo fracasso. Mas o ato de a apresentar não pode deixar de ter consequências – políticas e não só.
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