Não raras vezes os nossos leitores já leram aqui, nestas páginas, que os jornalistas não devem ser notícia – e não! –, mas, às vezes, em momentos críticos como este, essa regra tem de ser posta de lado. É o caso desta semana. Um relatório publicado pela Civil Liberties Union for Europe – uma organização não governamental, sediada em Berlim, que congrega 37 ONG que monitorizam as liberdades civis em 19 Estados-membros – está a fazer soar os alarmes. “A liberdade dos meios de comunicação social está claramente em declínio constante em toda a UE – em muitos países, como resultado de danos deliberados ou negligência por parte dos governos nacionais”, resumiu Eva Simon, uma das responsáveis da Liberties, ao britânico The Guardian. “O declínio da liberdade dos meios de comunicação social anda de mãos dadas com o declínio do Estado de direito. Existe uma estreita correlação entre os dois. Este é o manual dos regimes autoritários”, avisou ainda.
O relatório nota que a elevada concentração dos meios de comunicação social europeus, bem como a falta de transparência relacionada com o seu financiamento, são alguns dos mais preocupantes sinais de que a independência editorial poderá estar em causa. No mesmo sentido, a Liberties chama a atenção para o facto de, em países como a França ou a Bulgária, as próprias autoridades terem atacado fisicamente jornalistas, durante os últimos meses. Já na Roménia e na Suécia, vários ataques à Imprensa ficaram por investigar, “por falta de meios ou por falta de vontade”, lê-se no documento.
Ataques físicos – como bofetadas – a jornalistas tornaram-se comuns na Croácia, Grécia, Itália, Países Baixos e Suécia, enquanto muitos repórteres na Alemanha, Grécia, Países Baixos e Polónia foram alvo de escutas e spyware – software que recolhe informação e o partilha com terceiros, sem autorização.
No mesmo sentido, em diversos Estados-membros, como a Alemanha, a Lituânia e a Hungria, os executivos têm restringido o acesso da Imprensa a informação de interesse público. Muitos governos, segundo o mesmo relatório, continuam a “recusar que jornalistas tenham acesso a documentos ou a eventos”. Em Itália, por exemplo, Meloni criou uma regra que torna “difícil, se não impossível, a verificação de algumas informações”. É agora proibida a publicação de qualquer conteúdo relacionado com processos judiciais em curso ou ordens de prisão, pelo menos até ao final da audiência preliminar. Os jornalistas italianos já a adjetivaram de gag law (uma lei-piada, em tradução muito livre) e alertam para o sério atentado à liberdade de imprensa.
Numa altura em que também em Portugal – que não integra a rede da Liberties – temos assistido a significativos constrangimentos em muitos grupos de comunicação social (o nosso incluído), importa ainda mais estarmos atentos a tudo o que se passa à nossa volta. Porque este não é um problema local com implicações locais. É um problema global, que põe em causa a democracia e a liberdade, e que deve ser combatido em conjunto, para que nenhuma delas nos fuja. Não chega os jornalistas fazerem bem o seu trabalho; é preciso que governantes, sociedade civil e autoridades regulatórias estejam cientes do que se perde quando a Imprensa livre desaparece. E, no nosso caso, não foi assim há tanto tempo que o lápis azul saiu de cena. Talvez seja bom manter essa imagem viva na nossa memória.
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