Fechamos estas páginas no momento em que ainda decorre a contagem dos votos pelos círculos da emigração, mas é suficientemente seguro escrever que a grande novidade da votação emigrante foi a da aparição, com estrondo, de deputado(s) eleito(s) pelo Chega. Há cerca de 40 anos que a hegemonia de PSD e PS, na emigração, não era quebrada por ninguém – antes disso, o CDS chegou a eleger pelo círculo de fora da Europa. Os estudiosos encontram as razões mais díspares para o crescimento das forças populistas e, nomeadamente, a ascensão meteórica do Chega que, em cinco anos, passa de um para meia centena de deputados. Ora é a “desilusão”, ora o facto de as pessoas não “serem ouvidas”, ora o medo e a intolerância… E dantes? Não havia desilusão? As pessoas eram mais ouvidas? Ninguém tinha medos?… Esqueçam: nada disto é novo. Este eleitorado difuso, com pouca cultura democrática, que sempre existiu, embora flutuando entre o protesto e a esperança – ou seja, entre o voto em partidos mais radicais, incluindo o BE e o PCP, e os partidos do centrão –, já se manifestou antes: sem ele, não era possível, por exemplo, haver maiorias absolutas. Sim, é provável que muitos destes votos tenham transitado diretamente de António Costa para André Ventura, depois de terem andado por Sócrates ou Cavaco. É um eleitorado não ideológico, desconfiado da política, que se manifestou votando no PRD – o partido eanista que, em 1985, pelo menos na perceção do eleitorado, oferecia a ilusão de um projeto bonapartista – e que se transferiu, logo a seguir, em 1987, para outro “homem forte”, Cavaco Silva. Nalguns momentos, parte desse eleitorado vacilou com outras ofertas, desde a candidatura presidencial de Fernando Nobre (14% em 2011) à proposta populista de Marinho e Pinto, que, representando o MPT, conseguiu ser eleito para o Parlamento Europeu, em 2014. E talvez seja uma heresia dizer que há muitos desses votos na brutal votação de Manuel Alegre, em 2006, quando o poeta se rebelou contra o seu partido, o PS, e apresentou uma candidatura independente e, supostamente, “antissistema” – e a expressão, muitas vezes repetida, foi do próprio candidato! Alegre conseguiu mais de 20%, sendo que outro “protestante”, José Manuel Coelho, com uma campanha, em certos aspetos, “à Ventura” (avant la lettre), obteve quase 5%.
Dir-se-ia, então, que estes fenómenos vão e vêm… Mas não desta vez. A diferença está no know-how. O Chega aprendeu com os seus pares a trabalhar, profissional e sistematicamente, para continuar a alimentar, entre eleições, as motivações dos votantes. Se os apanham, dificilmente os deixam fugir ou “flutuar”. Contornando o contraditório dos meios de comunicação tradicionais, mas não prescindindo deles, estes partidos estão muito à frente no formato “rede social”, não tendo quaisquer escrúpulos na manipulação, nem na mentira, nem na ainda mais eficaz “meia-verdade”. O discurso Big Brother e a linguagem TikTok, fáceis, simples, sem nada lá dentro, mas plasticamente consumíveis, não obrigam a pensar.
As sondagens têm alguma dificuldade em apanhar este tipo de público. Mesmo assim, andaram lá próximo: os estudos deram o Chega, consistentemente, entre os 15% e os 19%, com uma média de 16% na última semana. Muito perto da mouche. A diatribe de André Ventura, na noite eleitoral, contra as empresas de sondagens, de cujos responsáveis pediu as cabeças, deve ter sido a pensar no estudo brasileiro que o próprio Chega publicou e que o dava quase empatado com os dois partidos da frente… Será que os responsáveis do Instituto Paraná de Pesquisas já se demitiram?…
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