“Eu sei que o Luís não deixará de procurar o que lhe faltar para fazer o que é preciso.” A frase, proferida por Pedro Passos Coelho, no Algarve, esta segunda-feira, num comício social-democrata, veio introduzir um ruído desnecessário – do ponto de vista de Luís Montenegro – na campanha da AD. O que pode faltar e é necessário “para fazer o que é preciso”, ou seja, governar? Lutar pela maioria absoluta? Por uma maioria robusta que, somada aos deputados da IL, dispense o Chega? Ou recorrer a um acordo com o Chega, caso seja “indispensável”? Passos Coelho tinha de aparecer nesta campanha. Caso contrário, Luís Montenegro seria repetidamente questionado sobre a ausência do antigo primeiro-ministro, que ganhou o estatuto de “figura patriarcal” do PSD, ou sobre o seu silêncio ensurdecedor. De manhã, no debate das rádios, Montenegro foi, precisamente, questionado por uma das moderadoras: “Pedro Passos Coelho vai aparecer na campanha?” Com um sorriso enigmático, o líder da AD respondeu, não menos enigmaticamente: “Vamos ver…” E vimos, horas depois, em Faro, um Passos conduzido pela mão de Miguel Pinto Luz, cabeça de lista (mal-amado?) pelo distrito, um círculo onde o partido de André Ventura está pujante. Ora, Pinto Luz é um dos dirigentes sociais-democratas que nunca negaram a possibilidade de um possível entendimento com o Chega. Num discurso forte de apelo ao voto, Passos deixou cair a frase que abre este texto. Tendo em conta a sua alegada predisposição para apoiar acordos com André Ventura (e as suas boas relações com o líder do Chega), a frase teve o efeito que, de outra forma, não teria – e Passos sabia-o. Pelo meio, noutra tirada dispensável, recordou que sempre foi partidário de “portas abertas para a imigração, mas acautelando a segurança das pessoas”. Outra pérola “cheguista”, que choca com a realidade: não há nenhuma questão de segurança interna relacionada com a imigração.
Esta “ajuda” de Passos surge no início da campanha, e não por acaso: o assunto fica arrumado e ele fica despachado. As animadoras sondagens dispensavam-no, mas a política não. Agora, com sorte, o eleitorado flutuante – e, presumivelmente, pensionista… – que pode ter-se assustado com o regresso de Passos, avivando memórias que Montenegro quer varrer para debaixo de tapete, talvez já não se lembre disto, mais para a frente, nem volte a reagrupar em torno do PS.
Outros partidos já sentiram esta sombra e este condicionamento, na ressaca dos homens fortes que os lideraram. Todos os secretários-gerais do PS, Vítor Constâncio, Jorge Sampaio e, até, António Guterres, sentiram a pressão de Mário Soares, até à vitória eleitoral de 1995. Cavaco Silva foi outro dos grandes eucaliptos políticos a secar o terreno à volta: Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, Manuela Ferreira Leite foram líderes a prazo e sem sucesso, só com a exceção de Durão Barroso, que beneficiou da deserção de Guterres. E o que dizer do CDS, depois de Paulo Portas?… Sigmund Freud explica isto, na psicanálise, através da alegoria da sua obra de 1913, Totem e Tabu: o totem que se ergue na aldeia aborígene representa o “Pai ancestral” e a sua lei, feita de tabus. Derrubar o primeiro ou quebrar os segundos é um passo punido pelos deuses. Conseguirá Luís Montenegro esse desiderato?
P.S. – Depois disto, no PS, tem a palavra António Costa…
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