É um bombardeamento sistemático!
Somos compelidos a acreditar que o fundamental para combater as alterações climáticas é o comportamento individual e não a organização da sociedade. Tal como no combate à Covid-19 se responsabilizam fundamentalmente os comportamentos pessoais e se esconde a falta de concretização de medidas essenciais (por exemplo, a testagem em massa), também nas questões ambientais a culpabilização individual serve para esconder a ausência de uma política eficaz.
Cada um de nós tem um papel a desempenhar no progresso ambiental. Sem a consciencialização e a ação dos cidadãos, muitos dos avanços das últimas décadas não existiriam. Por exemplo, a separação de resíduos que se faz hoje seria inimaginável há 30 anos.
Depois de a taxa de gestão de resíduos ter aumentado, em média, 20% ao ano, desde 2015, no final do ano passado o Governo decidiu duplicar o seu valor. E a intenção é continuar a aumentá-la.
Ao mesmo tempo, prepara-se a redução dos valores pagos pela retoma dos materiais recicláveis recolhidos (vidro, papel, embalagens, entre outros), está em curso a eliminação da bonificação da energia produzida com o tratamento dos resíduos (com grande peso na Grande Lisboa e no Grande Porto) e acentuam-se as orientações do regulador desta área, desvalorizando o investimento, a manutenção de equipamentos, ou a valorização dos trabalhadores das empresas que gerem estes sistemas.
O que se pretende, numa progressão acelerada, é concentrar o financiamento do setor dos resíduos na tarifa cobrada aos municípios e, por essa via, à população – tornando-a cada vez mais alta. E assim se elimina a responsabilidade do Estado.
O pretenso fundamento é sempre o mesmo: o princípio do poluidor-pagador. Mas a ideia de que pôr os cidadãos a pagar mais contribuições é, por si só, uma forma de induzir comportamentos amigos do ambiente é um logro.
A questão é mais complexa e o objetivo deste exacerbado dogma é bem menos altruísta. Trata-se de reduzir ou de eliminar os recursos públicos aplicados nesta área e de garantir condições apetecíveis para o negócio privado.
A esta altura do artigo já estarei catalogado por alguns como negacionista ambiental ou insensível à emergência climática.
Mas a verdade é que este caminho, a juntar à falta de uma estratégia nacional coerente e de medidas que obriguem à regeneração em setores altamente poluentes – como o dos materiais para a construção civil –, vai ter o efeito contrário do que se anuncia (mas não do que se pretende e que é realmente transferir mais custos para as pessoas).
Todos queremos reutilizar e reciclar mais. Mas pagar mais pode muito bem significar reciclar menos. É que carregar drasticamente na tarifa não é só socialmente injusto: é ambientalmente ineficaz!
Porque em muitos sistemas os municípios vão amenizar (justamente) a transferência destes custos para os cidadãos, reduzindo assim os seus recursos próprios. Porque a diminuição de valor da recolha de recicláveis e da produção de energia reduzirá os recursos para o investimento. Porque, sem investimento, a capacidade de manutenção e modernização das infraestruturas mais complexas reduzir-se-á, com o inevitável aumento da deposição em aterro. Porque as taxas relativas à recolha de resíduos estão indexadas ao consumo de água, não permitindo a ligação ao lixo produzido. Porque é incompreensível que o crescimento da separação de resíduos, nos últimos anos, tenha como retorno do Estado o aumento brutal da tarifa.
Se pagamos mais reciclando mais, que mensagem estamos a passar aos cidadãos?
O País precisa de uma estratégia nacional de resíduos que não se resuma a pôr as pessoas a pagar. Mas, neste momento, o que temos é, na realidade, o princípio do pagador-pagador: pagam sempre e cada vez mais os mesmos.
E sendo um lugar-comum a afirmação de que em política o que parece é, no caso do princípio do poluidor-pagador, manifestamente, o que parece certo não o é!
(Opinião publicada na VISÃO 1468 de 15 de abril)