A pior coisa que poderia acontecer às eleições para Presidente da República está mesmo a acontecer: como ninguém duvida da reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa para um segundo mandato, todo o clima à volta da campanha começou a transformar-se numa espécie de referendo à “normalização” de um candidato da extrema-direita racista e xenófoba no sistema político português. Mesmo nos debates em que ele não está presente ou nas entrevistas com outros candidatos, o seu nome é sempre puxado para a conversa, por vezes até de forma inesperada e injustificada, como se ele fosse o assunto principal desta eleição, o único ponto de interesse para manter as audiências fidelizadas, sem trocarem de canal. Como já se sabe quem ganha, as atenções concentram-se em quem vai ficar em segundo – como se isso tivesse sido, alguma vez, o mais importante numa eleição deste género, em toda a história da democracia portuguesa.
A verdade é que, desde o acordo para a formação de governo nos Açores, esse clima de referendo à sua “normalização” é o que mais interessa ao candidato de extrema-direita. É ele quem declara que a votação de dia 24 de janeiro constitui apenas um “passo” numa ascensão que prevê e deseja imparável e que o levará, num futuro que antevê próximo, até ao governo, numa grande coligação de partidos de direita, mesmo que jure, todos os dias, ser contra o “sistema”. Só precisa de, para isso, ver o seu nome “referendado” nesta eleição presidencial – e todos, mesmo os seus mais aguerridos adversários, acabam por ajudá-lo nesse propósito.
A narrativa já está instalada e ninguém parece parar um bocadinho para pensar nela. O candidato, desde o início, assumiu o papel do elefante na loja de porcelanas e insiste em ganhar protagonismo em todos os momentos. Percebeu o sentido do jogo e não o larga.
O trágico no meio disto tudo é que não se trata de um fenómeno novo. Algo de muito semelhante foi presenciado – e estudado! –, em 2016, nos EUA, quando Donald Trump se tornou assunto principal da pré-campanha para a escolha do candidato republicano à Casa Branca. Ainda sem se saber, nessa época, que ele iria mesmo conseguir os seus intentos, um estudo do Centro Shorenstein da Harvard Kennedy School dissecou, a fundo, a forma como Donald Trump depressa se transformou no centro do interesse mediático. Não por critérios políticos mas jornalísticos: a atração habitual dos media pelo novo, pelo incomum, pelo sensacional.
A verdade, conforme se concluiu, é que a profusão de “más” e de “boas” notícias ajudou o candidato a ser eleito. Para contrariar tudo isto, bastava, no nosso caso, regressar às regras básicas: tratar o assunto como uma campanha para Presidente e não como um referendo a um candidato em busca de aceitação pelo sistema que ele diz combater. Ser fiel, apenas e só, à verdade.