Muito se tem falado sobre hidrogénio ultimamente, por causa de novas diretivas da União Europeia e devido à Estratégia Nacional para o Hidrogénio apresentada e aprovada pelo Governo. O que é e que papel pode ter o hidrogénio num contexto energético e de descarbonização?
O hidrogénio é o primeiro elemento da tabela periódica, o mais leve e o mais pequeno, e é de longe o mais comum no Universo. Na crosta terrestre é também um dos elementos mais abundantes mas, tirando em circunstâncias especiais, como em pequenas concentrações em poços de gás natural ou petróleo, não existe sem estar associado a outros compostos. A vasta maioria do hidrogénio na terra existe principalmente como elemento na água (H2O) ou em hidrocarbonetos (cadeias de carbono e hidrogénio, como as que constituem o petróleo, a gasolina ou o diesel). Por esta razão, e ao contrário dos combustíveis fósseis como o carvão, o gás natural ou o petróleo, o hidrogénio não é uma fonte primária de energia – não podemos construir um poço ou uma mina de hidrogénio! Para produzir hidrogénio, serão sempre precisos dois componentes – uma fonte de hidrogénio (como a água ou os hidrocarbonetos) e uma fonte de energia – por exemplo, energia nuclear, renovável ou fóssil.
O hidrogénio molecular (H2) tem ganho algum destaque ao longo das últimas décadas devido às vantagens que apresenta como vetor energético, isto é, um instrumento para mover energia de onde é produzida (por exemplo, uma central a gás ou uma turbina eólica) para onde é necessário (para aquecer uma casa ou para acender uma luz). Vetores energéticos são essenciais numa sociedade dependente de produção centralizada de energia como a nossa. De longe o vetor energético mais utilizado é a eletricidade, mas mesmo esta possui alguns problemas, como por exemplo o armazenamento. Existem boas razões para usar hidrogénio como vetor energético, já que é um combustível altamente energético (tem o triplo do conteúdo energético da gasolina ou do diesel para a mesma massa) e pode ser produzido por uma variedade de diversas e abundantes fontes de hidrogénio (a água, por exemplo) e de energia (renovável, nuclear ou combustíveis fósseis). Além disso, pode nalguns contextos ser mais fácil de armazenar que outros vetores energéticos como a eletricidade, e pode ser usado para converter energia usando diferentes métodos, incluindo combustão e células de combustível. Uma das grandes vantagens é que, ao contrário das combustões de hidrocarbonetos (como a combustão de gasolina que move a maior parte dos carros), não gera emissões quando usado para converter energia, sendo que o único produto resultante é água. Este último aspeto é crucial numa altura em que se discute a descarbonização da nossa sociedade, assunto absolutamente vital nas próximas décadas devido ao impacto dos gases com efeito de estufa no aquecimento global.
Ao contrário dos combustíveis fósseis como o carvão, o gás natural ou o petróleo, o hidrogénio não é uma fonte primária de energia – não podemos construir um poço ou uma mina de hidrogénio! Para produzir hidrogénio, serão sempre precisos dois componentes – uma fonte de hidrogénio e uma fonte de energia
Mundialmente, a produção de hidrogénio ainda é maioritariamente feita com base em combustíveis fósseis – o metano (principal constituinte do gás natural) pode ser reformado com vapor a altas temperaturas, produzindo hidrogénio e dióxido de carbono. Se usado diretamente, o hidrogénio é considerado cinzento, devido à formação de dióxido de carbono. Quando o dióxido de carbono que é produzido não é libertado para a atmosfera e é capturado, armazenado ou usado, o hidrogénio é considerado azul. Finalmente, quando o hidrogénio é produzido por uma fonte de energia que não produz emissões (por exemplo, um painel solar ou uma turbina eólica) através de uma tecnologia como a electrólise da água (onde uma corrente eléctrica é usada para separar água em hidrogénio e oxigénio), o hidrogénio é denominado verde, visto não ter nenhuma emissão nociva associada.
O hidrogénio é também bastante versátil no que à conversão de energia diz respeito. Pode ser utilizado como combustível num motor de combustão interna (tal e qual como a gasolina ou o diesel), ou numa turbina a gás, no entanto o hidrogénio é normalmente associado a células de combustível. Células de combustível são tecnologias eletroquímicas nas quais um combustível (como o hidrogénio) e um oxidante (como o oxigénio) reagem e produzem eletricidade. Células de combustível existem há mais de 180 anos (foram descobertas pelo galês William Grove em 1838) e são tecnologias eficientes e fiáveis. Têm sido usadas pela NASA desde o programa Gemini e foram uma das principais fontes de energia no módulo que levou os astronautas à Lua no programa Apollo. Apesar dos enormes avanços em eficiência dos motores de combustão interna, células de combustível que funcionam a hidrogénio são inerentemente mais eficientes que motores de combustão interna.
Que papel então para o hidrogénio? Num contexto de redução de emissões, importa descarbonizar os vários setores da nossa sociedade. Para tal, é importante aumentar a percentagem de energias renováveis, mas estas dependem de fontes intermitentes (o sol nem sempre brilha e o vento nem sempre sopra), o que cria necessidades de armazenamento, de maneira a poder garantir um fornecimento estável de energia. Apesar de alguns desenvolvimentos em tecnologias para armazenamento de energia a esta escala, como baterias de sódio ou de fluxo, electrólise para produzir hidrogénio é uma tecnologia relativamente madura e que pode ser aplicada em larga escala. Outro setor crucial para diminuir emissões é o setor dos transportes, que está quase totalmente dependente de derivados de combustíveis fósseis como o diesel ou a gasolina. Baterias elétricas são uma tecnologia que está na ordem do dia como possível solução para a descarbonização do setor dos transportes. No entanto, como qualquer utilizador de carros elétricos pode comprovar, a autonomia das baterias e o tempo que demoram a carregar são dois problemas de difícil resolução. Ainda que tenham sido feitos avanços nos últimos anos, existem limites para uma tecnologia como as baterias de lítio (a principal tecnologia usada em carros eléctricos), já que baterias elétricas para veículos com autonomia para grandes distâncias são volumosas e pesadas. Apesar de por vezes vistas como tecnologias que competem uma com a outra, será talvez mais correto considerar baterias elétricas e células de combustível a hidrogénio como tecnologias complementares. Estudos técnicos indicam que a melhor alternativa para a descarbonização em grande escala no setor dos transportes são veículos híbridos que usam baterias elétricas para pequenas distâncias e percursos urbanos, e que dependem de células de combustível a hidrogénio para percorrer grandes distâncias.
Apesar de nestas matérias ser difícil de prever o futuro, e ainda que padeça de alguns problemas técnicos, as características únicas do hidrogénio em tudo indicam que venha a ter um papel bastante relevante num futuro energy mix.