O SMMP, consciente da necessidade premente de adoção de medidas urgentes no meio prisional para evitar a devastação nas prisões, designadamente no que se refere aos reclusos particularmente vulneráveis à COVID 19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco, ainda antes de qualquer lei sobre a matéria apresentou à Sra. Ministra da Justiça um conjunto de propostas no sentido de proteção dos mais frágeis no meio prisional, sem colocar em causa a paz e tranquilidade sociais, designadamente medidas relacionadas com autorização antecipada de saída de estabelecimento prisional em presos no final de cumprimento da pena, antecipação do prazo de apreciação da liberdade condicional e do prazo de antecipação à liberdade condicional para os reclusos com mais de 60 anos ou que pertençam a grupo de risco em virtude de doença que padeçam.
Grande parte das medidas propostas mereceram o acolhimento na lei que veio a ser aprovada na AR. Apenas foram levantadas algumas reservas quanto à aplicação do perdão, aliás reservas efetuadas também por vários grupos parlamentares na AR e em vários artigos que têm sido publicados sobre a matéria.
A própria Ministra da Justiça referiu no parlamento que essa não era a solução ideal, mas a possível por falta de meios para que pudessem cumprir as penas em prisão domiciliária.
O perdão representa o devolver à sociedade mais de um milhar de reclusos sem qualquer retaguarda ou acompanhamento nesse processo de regresso à liberdade. A maioria desses reclusos regressa à liberdade sem qualquer apoio familiar, sem emprego e sem qualquer perspetiva de vida, sobretudo num período de crise decorrente de uma pandemia, em que a atividade económica abrandou e o desemprego aumentou.
O SMMP, consciente dessa realidade, propôs medidas de flexibilização do cumprimento das penas que envolviam os serviços de reinserção social no regresso dos reclusos à liberdade e na criação de condições para que o mesmo se efetivasse em ambiente protegido e não abandonando os reclusos à sua sorte.
Numa conceção humanista da sociedade, a pena de prisão efetiva só é aplicável quando todas as penas não privativas da liberdade se mostram insuficientes para cumprir o fim ressocializador que lhes está subjacente e quando aplicada compromete o Estado no dever de colaborar no processo ressocializador e de reinserção social do condenado, finalidade que com a aplicação do perdão fica totalmente frustrada.
Nesse mesmo sentido conclui Nuno Brandão, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na “Julgar online”, onde refere que “a solução da libertação temporária, através de uma licença de saída extraordinária que implica uma obrigação de permanência na habitação, se afigura adequada a responder ao risco da pandemia e acautela suficientemente as finalidades da punição, o mesmo já não se poderá dizer do perdão instituído no art. 2.º, por nele se ter ido muito para além do que seria necessário para proteger a vida e a saúde dos reclusos dele beneficiários, com sacrifício das finalidades da punição por eles sofrida. Como há muito preveniu Figueiredo Dias, o exercício do direito de graça está longe de constituir uma forma desejável e legítima de reduzir a população prisional. Advertência que não parece ter sido tomada em devida conta na Lei n.º 9/2020, claramente (também) motivada por um propósito de súbita e substancial diminuição da sobrelotação do sistema prisional português por via de uma amnistia imprópria”.
A opção pelo perdão está longe de ser, mesmo do ponto de vista humanista, a solução desejável e que melhor assegura a reinserção social dos que regressam à liberdade pela via do perdão aplicado.
É sim a solução mais fácil para aliviar a ocupação prisional e dessa forma criar algum espaço livre de manobra em caso de propagação do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais, mas que desacompanhada de outras medidas, como a instalação de hospitais de campanha dentro daqueles com maior ocupação, para resposta rápida e eficiente caso ocorra um surto generalizado, de nada servirá.
Veja-se que em países europeus, de tradição humanista, como a França e Itália, onde o impacto da pandemia é muito superior à de Portugal, mesmo no meio prisional, se optou por soluções de antecipação da liberdade ou, como é o caso de Itália, prevendo também a substituição por prisão domiciliária para condenados em penas de prisão inferiores a 18 meses.
Para além disso, o SMMP sugeriu medidas para proteção dos mais de 10.000 reclusos que não beneficiariam de qualquer medida de flexibilização da pena ou saída justificada e de todos os que trabalham ou prestam serviço nos estabelecimentos prisionais.
O SMMP foi a única estrutura sindical no âmbito da justiça que apresentou medidas concretas para proteção dos reclusos e todos os que trabalham no meio prisional.
A recente carta aberta apresentada por um segmento minoritário dentro do Ministério Público surge num contexto em que se avizinham eleições para os órgãos sociais do SMMP e é fomentada por aqueles que tendo perdido as eleições no passado, a coberto de uma falsa capa de humanismo, têm como único propósito voltar a aparecer no espaço mediático, deturpando e desvirtuando o verdadeiro sentido das posições assumidas pela atual Direção do SMMP.
O humanismo não pode ser usado como chavão populista, vazio de aplicação ao caso, e próprio do discurso propagandista utilizado em outros quadrantes da vida política e social. Respeitamos a liberdade de opinião de todos, mas não aceitamos que nos colem a posições ultra securitárias e anti-humanistas que não fazem apanágio da nossa forma de agir.
Continuaremos o nosso trabalho com o objetivo de apresentar propostas construtivas de salvaguarda dos direitos de todos, sem exceção e, nesta fase particular das nossas vidas, exigir para todos os magistrados condições de trabalho condignas e seguras para o exercício das suas funções.
Foi isso que fizemos com a proposta apresentada quanto à flexibilização das penas.