De coração um bocadinho acelerado, revejo mentalmente os passos da minha tarefa. Saio da minha zona segura, o meu carro, garanto que a mala está bem no ombro e que não vai cair, o que me obrigaria a tocar-lhe, calço as luvas, tiro as luvas porque me esqueci da moeda do carrinho, volto a calçar as luvas, confiante em direção ao estacionamento dos carrinhos do supermercado. Ai, espera, com os nervos esqueci-me do saco. Volto a tirar uma luva, etc, etc, etc, até finalmente entrar naquele espaço que me vai garantir alimentação para uns dias e uns minutos de gincana. Uma pessoa quase não olha para as outras, será que com isto nos esquecemos que o bicho não se pega pelos olhos? Nos corredores há uma dança a fazer lembrar carrinhos de choque, só que aqui ninguém vai de encontro aos outros de propósito para o solavanco. Ai tu vais por aí, então espera que eu volto para trás. Quando não é possível respeitar o metro e meio, lá está, olha-se para o lado. A respiração superficial, como se isso ajudasse.
Tenho luvas para empurrar o carrinho, a lista de compras num sítio onde a posso ver sem lhe tocar. Mas, depois, lembro-me que vou pegar em coisas que vão parar lá a casa. Não é boa ideia tocar-lhes com as luvas do carrinho. Enfio um saco de plástico fininho, daqueles da fruta, por cima das luvas, especificamente para tirar as coisas das prateleiras. Quando dou por mim, agarro no fiambre que o senhor da charcutaria me estende com a mão com o saco. Bolas! Mas não é grave, rodo ligeiramente o saco. Está operacional para o resto das compras. Põe saco, tira saco, o saco agora já tocou no carrinho porque me esqueci que o tinha. Tenho uma sensação de segurança por ter as mãos limpíssimas por baixo daquelas luvas possivelmente contaminadas. Não sei como gerir isto de tocar nas coisas e trazê-las para casa. Não vou desinfetar caixas de cartão. Pego com as pontinhas dos dedos, eu, que já tenho tendência a deixar cair coisas…
Está tudo. Agora, a caixa. Distância de segurança, check. Cartão multibanco no bolso. Coisas no tapete com as mãos enluvadas que estiveram o tempo todo a pegar no carrinho. Pois. Tira uma luva para enfiar cartão, marca código com a que tem luva, tira cartão com a que não tem, até admira não me ter baralhado.
Viagem curta até ao carro, luva fora para carregar no comando da chave e abrir o porta-bagagens, indecisão se pago no saco cheio com luva ou sem luva, sei lá eu. Devolvo o carrinho ao seu estacionamento, tira luva para tirar moeda, tira finalmente as duas luvas, lixo, e entro seguríssima no meu carro como se tivesse acabado de enfrentar uma dura batalha. Respiro fundo, satisfeita com a possibilidade de tocar em tudo o que ali está, naquele mini-espaço, sem medo.
Olá, eu sou uma pessoa de um dos grupos de risco (os asmáticos, calma, não sou assim tão idosa), e hoje fui ao supermercado.