A par do vizinho arquipélago da Madeira, o arquipélago dos Açores, em virtude da sua Autonomia Constitucional, é uma região portuguesa com estatuto diferenciado das restantes regiões do país.
Até que o governo da República decida alargar a regionalização a Portugal continental e a implemente, quer queiramos quer não, haverá uma diferenciação positiva entre os Açores e o continente português. Bom para os açorianos, menos bom para os continentais do interior e do litoral, mas a história fez-se assim e a culpa da não extensão da regionalização a todo o país não é da responsabilidade dos açorianos.
A situação dramática que se vive hoje com a perigosa pandemia que atinge o planeta, em geral, e o território nacional, em particular, com a agravante de já haver registo de um caso confirmado de coronavírus nos Açores, levou o Presidente do Governo Regional dos Açores, Dr. Vasco Cordeiro, a ver-se obrigado a ameaçar desobedecer ao governo da República, caso o Primeiro Ministro, António Costa, se mantenha teimosamente irredutível no que respeita a não permitir o encerramento dos aeroportos açorianos a voos do exterior, decisão que, vai-se lá saber porquê, do ponto de vista constitucional, cabe à República e não ao governo regional dos Açores.
Lei é lei até ser alterada, mas Vasco Cordeiro, com as consequências políticas e outras que essa posição lhe poderá trazer, assume corajosamente que ” vale a pena correr o risco de desobediência à legislação nacional”, uma vez estarem primeiro as vidas dos açorianos e residentes nos Açores e só depois questões meramente constitucionais. Diria mais, de excesso de soberania.
O facto é que está armado um diferendo entre os Açores e a República, com a Madeira pelo meio, que certamente se juntará aos Açores em idêntico protesto.
O caso da recente infetada pelo coronavírus, desembarcada nos Açores, possivelmente não teria acontecido caso António Costa ouvisse a voz da razão, quando Vasco Cordeiro, atempadamente, lhe apelou ao encerramento dos aeroportos açorianos. O arquipélago, até então, era uma zona limpa. A teimosia do Primeiro Ministro é, claramente, a única responsável por estarmos agora nas ilhas açorianas a braços com um primeiro caso de coronavírus e de haver fortes probabilidades de outros passageiros, que desembarcaram da mesma aeronave, estarem também contaminados.
Que sentido faz proibir o desembarque de passageiros vindos em navios de turismo quando deixamos desembarcar gente às catadupas nos nossos aeroportos? Fará isso algum sentido? É preciso não esquecer que o arquipélago é composto por nove ilhas, que tem apenas três hospitais, o que significa que seis ilhas têm somente centros de saúde. O que será se a epidemia se alastrar às ilhas sem hospital?
A Constituição não é perfeita e traduz certamente as limitações dos homens que a fizeram. Não pode prever tudo, nem parece prever exceções para momentos excecionais, mesmo que isto implique a morte dos cidadãos que pretende proteger. Respeitamo-la, contudo. Rejeitamos, como não podia deixar de ser, qualquer atropelo à Constituição, mas estamos satisfeitos quando, numa questão de vida ou de morte, o nosso Presidente arrisca a sua carreira política para nos ajudar a ultrapassar este momento excecional pela sua perigosidade.
Os açorianos, quero crer que na sua totalidade, estão ao lado do seu Presidente. Primeiro a vida, que é o bem mais precioso, o valor supremo. Sem vida, para que serve a Constituição? Queremos crer que futuramente a lei maior da República será revista por forma a poder dar resposta a imprevistos desta magnitude e gravidade, tendo em conta as diferentes geografias do território nacional.