1 Algum dia se virá a saber quem são os 220 portugueses – já nem digo as 611 pessoas com ligação a Portugal – com mais de 856 milhões de euros depositados na Suíça, saídos ilegalmente do País para, no mínimo, fugir ao pagamento de impostos? São mais de 856 milhões de euros, 143 só de uma pessoa, mas apenas em um banco, o HSBC: quantos serão, os portugueses e os milhares de milhões, em todos eles?…
Por múltiplas razões seria importantíssimo conhecer-se a identidade pelo menos daqueles 220, apurar as circunstâncias em que a “fuga” foi possível, fazê-los pagar pelos seus atos. Mas, claro, duvido que isso venha a acontecer. A acontecer alguma coisa, talvez seja, uma vez mais, uma amnistia, desde que o dinheiro regresse (ou nem isso…), e mediante o pagamento de um imposto muito inferior ao que qualquer de nós paga pelos rendimentos do seu trabalho!
Temos dois milhões de concidadãos em situação de pobreza ou na iminência dela, e se ao longo destes anos vimos sempre o primeiro-ministro a impor uma “austeridade” que chegou a ultrapassar a da famigerada troika, a impor toda a espécie de restrições e sacrifícios, à classe média e mesmo aos já pobres, nunca o vimos fazer nada, nem sequer o ouvimos dizer nada, para combater a sério tais condutas antipatrióticas, imorais, criminosas.
Aqui como na Grécia, embora na Grécia ainda muito mais do que aqui, também estas fugas ilegais de capitais (bem como as “legais”…), contribuíram para se chegar à situação a que se chegou. Mas para a ideologia e a mentalidade ainda reinantes faz mais sentido, e é mais fácil, cortar salários, subsídios de desemprego, verbas para a saúde e a educação, etc., do que travar aquele combate. Talvez porque, afinal, e em geral, quem é que manda naqueles que ainda mandam?…
2 Do que não duvido, é que mais este escândalo – que envolve quase 90 mil milhões de euros de “clientes” de 206 países – não contribuirá para mudar a indecência de um sistema que permite, se não estimula, estas coisas. Incluindo os criminosos offshores que pululam como cogumelos venenosos e, já se sabe, vamos encontrar na base de todas as manigâncias, incluindo as fiscais, dos negócios mais sujos, das drogas às armas, e dos negócios respeitáveis, de grande vulto, em que a lógica do lucro é senhora absoluta.
E do que não duvido também é que para Passos Coelho isto não diz nada, é simples demagogia ou música de fundo: não levantará a voz, não mexerá uma palha, contra estas poucas-vergonhas. Pelo menos enquanto a sr.ª Merkel e companhia não o fizerem. Trata–se, aliás, do habitual alinhamento que, para não dizer mais, configura uma lamentável subserviência, a qual por vezes, como é próprio do género, se traduz até em ultrapassagem, como aconteceu agora com a posição no “caso da Grécia”, a que já me referi na última crónica.
3 Essa crónica mantém toda a atualidade. E por isso regresso a ela, ao seu tema, em vez de falar, como desejava, de vários aspetos do processo e da prisão de José ?Sócrates, que exigem outro espaço; em vez de falar das presidenciais, que ainda vêm longe e em relação às quais não há de facto nenhuma novidade – pois não é novidade Santana Lopes mudar de timing e posição, só mostra a inconsistência que aqui lhe assinalei, nem o é António Guterres não dizer que sim a uma candidatura, sendo certo que creio também não terá dito nenhum definitivo não.
Nestas duas semanas de intensa ação interna e sobretudo externa, diplomática, o Governo grego tem mostrado o “realismo” que designadamente Paul Krugman lhe assinalou, uma moderação que corresponde às melhores expectativas e uma capacidade de diálogo e inteligência de propostas concretas que não podem deixar de conduzir a uma plataforma de entendimento e a uma saída para a dramática situação da Grécia e do seu povo. Sendo imperativo que Portugal contribua para isso, com uma voz própria, independente e que tenha em conta o que nessa plataforma pode e deve servir também os interesses nacionais. Em relação à Grécia, Passos Coelho não só tem de falar em português (e não em alemão) como tem de falar Portugal.