Quem anda a delirar com maiorias absolutas é melhor refazer as contas. Se houve coisa que esta crise conseguiu foi acabar com alguma réstia de ingenuidade na relação entre eleitores e eleitos. Uma situação preocupante que só será ultrapassada com uma desejável regeneração da ação política, capaz de refazer a confiança quebrada e, consequentemente, propiciar a mobilização dos cidadãos em torno de ideias e de projetos. Até lá, o melhor é os agentes políticos convencerem-se que nada será como dantes e que, também eles, terão de mudar. Os inúmeros sacrifícios e privações impostos aos portugueses estão a provocar ondas de choque tremendas que vão do desemprego à emigração, mas, paralelamente, também emerge dos escombros a coragem e a determinação de tantos que dão a volta às suas vidas inventando os seus próprios empregos, aproveitando nichos de mercado, recorrendo a uma criatividade até há pouco desconhecida. Mas mesmo os que continuam a ter emprego sabem que nada será igual ao que era.
A volatilidade vai caracterizar as relações laborais de um futuro já ali ao virar da esquina e cada um estará cada vez mais dependente de si próprio e menos da empresa ou do Estado. Esta independência crescente obrigará os cidadãos a serem mais exigentes porque, se não o forem, a sua sobrevivência estará definitivamente em causa. Terão de escrutinar cada vez mais os seus representantes, de exigir aplicação criteriosa e o retorno em serviços dos impostos cobrados e uma governação transparente e responsável nos vários domínios.
Enquanto não for restabelecida a confiança entre os cidadãos e os políticos, a tendência vai ser a penalização dos partidos considerados responsáveis pelo colapso do modelo social em que crescemos. Na Grécia (PASOK), em França (UDF) ou na Itália (DC) já caíram formações políticas que pareciam indestrutíveis. Por cá, PSD, CDS e PS receberam um primeiro aviso nas últimas europeias e não há razão para euforias em 2015. Pelo contrário. PSD e CDS tiveram, de facto, um resultado humilhante no sufrágio de maio e, desde então, as condições do seu exercício governativo não melhoraram. Do ponto de vista psicológico, não há quaisquer sinais de que os portugueses tenham aliviado o enorme desprezo que têm devotado à coligação; do ponto de vista político a situação degradou-se e o seu futuro pode estar nas mãos do Tribunal Constitucional. Se houver mais diplomas chumbados o fecho deste Orçamento será dramático e o do próximo ano idem aspas. Passos já ameaçou com mais impostos e isso significa crise no Governo. Porque Portas não vai aceitar ir a votos qual cordeiro a ser imolado no altar das eleições.
No PS as coisas não estão melhores. A guerra interna ameaça a credibilidade de um partido que nos últimos três anos não soube beneficiar da imensa impopularidade de um Governo que levou o país ao maior retrocesso social de que há memória em democracia. Com as eleições primárias marcadas para setembro, ganhe quem ganhar, dificilmente recuperará do espetáculo degradante diariamente exibido. Assim sendo, os socialistas estão a dar margem a uma fuga em massa de eleitores desiludidos que, ou se abstêm, ou vão investir no voto de protesto. Os partidos à esquerda podem beneficiar desta crise do PS, mas a maior ameaça será uma nova candidatura de Marinho e Pinto, agora já um vencedor e com maior visibilidade mediática. Lembrem-se do PRD! Mas nem vale a pena avivar a memória porque a História corre, inexorável, e os ventos são de mudança.