1. Há cada vez mais doentes a queixarem-se da falta de tratamentos adequados em hospitais do Estado por razões económicas. Esta semana, o Público contava o caso de Luís Pereira Duarte, um engenheiro civil, de 59 anos, com cancro na próstata e metástases no fígado, a quem foi recusada a administração de abiraterona, um medicamento inovador com provas dadas na reversão da doença, por não estar ainda disponível para uso hospitalar no Serviço Nacional de Saúde. Não está autorizado nos hospitais públicos, mas pode ser adquirido na chamada farmácia de oficina (pública) mediante receita médica, desde que o doente possa desembolsar 3 mil euros por mês.
Quem não tem problemas são os beneficiários da ADSE, porque o mesmo Estado que se recusa a pagar este tratamento aos utentes do SNS, comparticipa-o a 100 por cento nos hospitais privados, aos quais os funcionários públicos podem aceder livremente. Uma discriminação e uma iniquidade relativamente ao SNS com a qual, pelos vistos, os partidos, os sindicatos, o Tribunal Constitucional e os indignados do costume continuam a conviver alegremente. Para entrar no rol dos fármacos cobertos pelo SNS, a abiraterona terá de passar o crivo da “avaliação fármaco-económica” do Infarmed, ou seja, do Ministério da Saúde, não se sabe quando. Até lá, os doentes do SNS que realmente precisam deste tratamento estão condenados por um Governo que mais depressa contrata um boy para um lugarzinho à mesa do Orçamento do que salva a vida de alguém em sofrimento. Luís Pereira Duarte não desistiu e processou o IPO, por lhe recusar o fármaco. Fez muito bem e devia processar todos os intervenientes no seu caso. Porque não é admissível que, num Estado de direito, um cidadão seja friamente condenado à morte por não ter dinheiro para comprar um medicamento.
2. É caso para dizer que a montanha pariu… um ratinho. Aqui há tempos, o Parlamento Europeu anunciou, com pompa e circunstância, que ia abrir um inquérito à troika para apurar responsabilidades dos que, na própria Comissão Europeia, agiram contra os interesses dos países resgatados, os “abusos e violações da lei” e até da “legitimidade democrática das decisões”. Agora, sabe-se, não vai ser nada disso. Tudo ficou reduzido a um relatório “simbólico”. É caso para rir. Como bem sabemos, há eleições europeias em meados do próximo ano e é preciso justificar os custos astronómicos da máquina político-burocrática que pulula entre Bruxelas e Estrasburgo, e cuja utilidade é cada vez mais questionada pelos cidadãos da União.
3. A hipótese de ter o Governo sozinho a negociar um eventual programa cautelar é preocupante. Esta equipa ministerial nunca foi eficaz a discutir com os credores, é subserviente perante eles e, para dificultar este processo de alto risco, não há um modelo em que nos possamos basear. Além disso, a Europa, hoje, é um lugar incerto, com cada país a puxar a brasa à sua sardinha e a querer negociar à luz dos seus interesses e dos seus calendários. É por tudo isto, também, que é politicamente irresponsável Passos Coelho ter dispensado o PS de um acordo para a construção desse programa. O primeiro-ministro sabe que a presença dos socialistas fortaleceria a posição do País, faria baixar os juros da dívida e criaria a indispensável estabilidade para o período pós-troika. E o Presidente da República fica calado?