Ao que parece, alguém se enganou com o seu ar sisudo e lhes franqueou as portas à chegada: os vampiros estão em todo o lado. Na literatura, no cinema, na televisão, aparecem vampiros a toda a hora. Saiu uma antologia portuguesa de contos com vampiros, há filmes e livros estrangeiros cheios de vampiros, e quase todos os programas de televisão incluem um vampiro: nas telenovelas, lá está um vampiro; nas séries juvenis, lá está um vampiro; nas conferências de imprensa do ministro das Finanças, lá está um vampiro.
Por que razão abandonaram os vampiros a Transilvânia e vieram povoar o resto do mundo? Por uma razão artística muito forte: porque vendem. Aparentemente, o público do início do século XXI tem um interesse sem precedentes pelos vampiros – o que, diga-se, não é fácil de perceber. Os vampiros são um monstro que não inspira particular terror. São, no fundo, um monstro totó. Gostam de sangue, mas isso também os apreciadores de cabidela, e eu não tenho medo deles. Não podem apanhar sol, como as crianças que têm a pele leitosa. Têm medo de alhos, que é das fobias mais maricas que uma pessoa pode ter. E morrem se lhes espetarem uma estaca de madeira no coração. Olha que idiossincrasia tão gira. Ao contrário do que acontece com o resto de nós, os vampiros não duram muito se lhes empalarem o coração. De resto, é um facto que desejam morder-nos o pescoço, o que não deve ser agradável. Mas, se o conseguirem, transformam-nos em vampiros imortais. Que transtorno tão grande. Um monstro que, se não tivermos cuidado, nos dá a vida eterna. Há religiões que, a troco de muito dinheiro, não oferecem metade. Por mim, não me importo de ficar com os caninos um pouco maiores se é esse o preço a pagar para viver para sempre. Nem precisam de me prometer a eternidade: perante a perspectiva da morte, até aceito ficar com a dentição da Teresa Guilherme se me derem mais duas semanas de vida.
O mais surpreendente nestes vampiros modernos é o modo como a adaptação aos tempos actuais os tornou ainda menos assustadores. Apaixonam-se com muita facilidade por raparigas humanas, o que lhes agrava as olheiras. Desenvolveram uma ética que não lhes permite fincar o dente em qualquer pescoço para saciar a fome. São monstros certinhos, que querem comportar-se como deve ser para terem uma vida social igual à das outras pessoas. São uma espécie de diabético que, em vez de tomar a injecção de insulina de vez em quando, toma um sucedâneo de sangue. Não são monstros, são pessoas doentes que querem fazer uma vida normal. É aborrecido. Os vampiros da minha infância andariam por aí a morder pescoços indiscriminadamente. A estes, só lhes falta que a ASAE apareça a proibi-los de sugar artérias em restaurantes. Bananas.