Na primeira pessoa: “Nunca senti a tentação de fazer o mal, como hacker. E já tive oportunidades de ficar bilionário”

Foto: D.R.

Na primeira pessoa: “Nunca senti a tentação de fazer o mal, como hacker. E já tive oportunidades de ficar bilionário”

Quando as pessoas sabem que sou hacker, perguntam-me logo: “Consegues entrar no insta da minha namorada?” ou “Podes ir ao site de um banco e tirar de lá dinheiro?”. Mas isso é o que um cracker faz. Eu trabalho segundo as regras, sigo um código de conduta e tenho orgulho em afirmar que sou hacker.

Um hacker é alguém que tem a liberdade de explorar um sistema, com autorização. Não é para danificar, não tem essa motivação. Identifica as vulnerabilidades para evitar que a internet se torne um caos.

Por esta altura, já não deveria ter de acrescentar que sou “ético”, porque está implícito, mas tenho de o fazer. Ainda é preciso desmistificar, repor a verdade sobre a palavra “hacker” e distingui-la de “cracker”. Existe, aliás, uma organização, a Hacking is NOT a Crime, que defende a descriminalização do hacking, através de uma reforma política, a bem do progresso digital sustentável.

A minha curiosidade sobre o funcionamento dos computadores vem de muito jovem. Quando tinha uns 4 ou 5 anos, estava sempre a querer ir para o computador do meu pai. E, aos 10 ou 11, descobri um livro de programação, fiquei fascinado e decidi começar a aprender sozinho.

Pouco depois, inscrevi-me num clube de jornalismo na escola para ter acesso à internet, mais rápida do que em casa. Escrevi alguma coisa, mas passava a maior parte do tempo a transferir programas.

A minha motivação é contribuir para um mundo melhor. Dito assim, parece discurso de miss, mas tenho mesmo a missão de proteger o progresso digital. Se a internet se tornar algo em que não confiamos de todo, o objetivo da liberdade fica comprometido

Mais tarde, pelos 14 anos, comecei a explorar ferramentas de hacking e descobri um outro mundo, com novas possibilidades. Dava-me uma certa sensação de poder digital e permitiu-me pregar umas partidas inocentes na escola.

Instalava software e controlava tudo à distância. Por exemplo, fazia com que um rato se mexesse sozinho, e os meus colegas achavam que o computador estava possuído, ou punha sons de galinhas e de ovelhas.

Eram sempre coisas engraçadas, mas um dia preguei uma partida infeliz, que perturbou o andamento de uma aula, e o meu pai foi chamado à escola. Aí, repensei o que andava a fazer, porque com o poder vêm grandes responsabilidades. Ao mesmo tempo, percebi que havia uma grande necessidade de cibersegurança e que poderia vir a ter futuro nesta área.

Gostava de Física, mas acabei por optar pela Informática, já com a ideia do hacking. Hoje, recomendo aos jovens que obtenham bases sólidas de programação. É preciso perceber como se constroem os sistemas para saber como se desconstroem (atenção que não disse destruir). É importante aprender a programar bem e rápido.

Em paralelo, fui explorando o lado da cibersegurança e depois acabei por fazer um mestrado em segurança informática na Universidade do Porto.

Em adolescente, fui sempre um aluno mediano. Andava ali no meio, porque era capaz de tirar 20 a Física e negativa a Química. Para isso não acontecer, esforçava-me para garantir a positiva nas disciplinas que não me interessavam.

A minha vida não era só passada ao computador. A minha mãe não me deixava estar mais de meia hora por dia, dizia que fazia mal aos olhos (a verdade é que não uso óculos), e essa limitação ajudou-me imenso, porque hoje consigo fazer muita coisa em meia hora. As pessoas acham a minha rapidez impressionante, mas a responsabilidade é da minha mãe [risos].

“Existem recompensas”

Também gostei sempre muito de música e estive em duas bandas (a ThinkB4 e a Rei Vadio), em que tocava guitarra elétrica e… computador. Tinha um teclado de computador com que tocava as notas e produzia efeitos eletrónicos.

Há uma correlação artística da música com o hacking. Julgo que tem que ver com a criatividade, porque o hacker é uma pessoa criativa que tem um prazer intrínseco em perceber as coisas tecnológicas e em desconstruí-las.

Ainda hoje, não passo o dia agarrado a um computador. Sei que fazer outras coisas ajuda-me a ser produtivo e que é importante estar com os pés na terra antes de ir para o digital. Passar muito tempo no digital pode levar ao burnout.

Nunca senti a tentação de fazer o mal. Já tive oportunidades de ficar bilionário, mas nunca as aproveitei. É como noutras profissões. Também há polícias bons e polícias corruptos.

Existem recompensas neste meio, as empresas mais maduras têm os chamados bug bounties [recompensas por relatar falhas de segurança e vulnerabilidades]. Nesta área, a meritocracia é bastante evidente. E acredito que as bug bounties contribuem para hoje haver cada vez mais hackers e menos crackers.

A minha maior recompensa foi em 2018, com o Shopify. Descobri uma vulnerabilidade crítica, que também afetava a Google, e que me deu acesso a mais de 10 mil servidores. Pagaram-me 25 mil dólares, o montante tabelado.

Em 2022, cofundei uma empresa, a Ethiack. Portanto, sou um hacker e sou um empreendedor, e vejo muitas semelhanças entre os dois, desde a persistência até acreditar que se consegue materializar algo que parece impossível.

Também dou aulas, de Teoria e Prática de Ataques de Segurança, na Universidade do Porto. No fundo, é introdução ao hacking ético. É importante ensinar a cibersegurança às novas gerações, porque precisamos de novos talentos nesta área. E sou um dos treinadores da seleção portuguesa de hackers. No início de outubro, vamos a Itália ao European Cyber Security Challenge.

A minha motivação é contribuir para um mundo melhor. Dito assim, parece discurso de miss, mas tenho mesmo a missão de proteger o progresso digital.

Se a internet se tornar algo em que não confiamos de todo, o objetivo da liberdade fica comprometido. E é isso que me move no dia a dia. Não é só descobrir vulnerabilidades, para que se fechem as portas escancaradas.

A desinformação preocupa-me tanto ou mais que a cibersegurança. Se não conseguirmos saber se um determinado conteúdo é autêntico, caímos na desconfiança nas fontes de informação. E podemos vir a assistir à disrupção das democracias. É um problema que temos de resolver… ontem.

Depoimento recolhido por Rosa Ruela

Mais na Visão

Mais Notícias

"Joker: Loucura a Dois": Stand-up sem comédia

Chávenas de chá: um detalhe de estilo

Chávenas de chá: um detalhe de estilo

Chanel apresenta coleção primavera/verão 2025

Chanel apresenta coleção primavera/verão 2025

VOLT Live: o ENVE 2024, a chegada da XPeng e dicas para evitar filas de carregamento

VOLT Live: o ENVE 2024, a chegada da XPeng e dicas para evitar filas de carregamento

Os

Os "looks" da passadeira vermelha dos Globos de Ouro 2024

Alguém falou do interesse superior da criança?

Alguém falou do interesse superior da criança?

Spotify agora cria uma playlist offline para quando o utilizador está sem internet

Spotify agora cria uma playlist offline para quando o utilizador está sem internet

A Maior Lição do Mundo

A Maior Lição do Mundo

Gemini Live suporta mais cinco idiomas, incluindo português

Gemini Live suporta mais cinco idiomas, incluindo português

Georgina Rodriguez é o novo rosto de uma campanha de moda

Georgina Rodriguez é o novo rosto de uma campanha de moda

Um Tarrafal saído de uma caixa do sapatos

Um Tarrafal saído de uma caixa do sapatos

Liderar com resiliência e propósito: Desafios e oportunidades no contexto atual

Liderar com resiliência e propósito: Desafios e oportunidades no contexto atual

Porque é que a seguir a grandes incêndios aumenta o risco de inundações com grandes chuvadas

Porque é que a seguir a grandes incêndios aumenta o risco de inundações com grandes chuvadas

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Descobrimos o grande segredo de Maria em “A Promessa” e é chocante

Descobrimos o grande segredo de Maria em “A Promessa” e é chocante

O motivo para Cristina Ferreira esconder a dispensa de Maria Botelho Moniz das manhãs

O motivo para Cristina Ferreira esconder a dispensa de Maria Botelho Moniz das manhãs

Àgua, um bem essencial à Vida, à Democracia e à Paz

Àgua, um bem essencial à Vida, à Democracia e à Paz

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Nuno Amado:

Nuno Amado: "Não precisamos de mais Estado, precisamos de melhor Estado"

Enriquecer com a pobreza dos outros

Enriquecer com a pobreza dos outros

O escritor possuído

O escritor possuído

Quatro infeções comuns que podem causar cancro

Quatro infeções comuns que podem causar cancro

Em “Senhora do Mar”: Jaime faz ultimato a Luísa por amor a Flávia

Em “Senhora do Mar”: Jaime faz ultimato a Luísa por amor a Flávia

Porto: 7 novos restaurantes que abriram nos últimos meses

Porto: 7 novos restaurantes que abriram nos últimos meses

O que vestiram as celebridades portuguesas nos Globos de Ouro

O que vestiram as celebridades portuguesas nos Globos de Ouro

Novo estudo descobre variação inesperada no crescimento em altura das raparigas consoante a idade na primeira menstruação

Novo estudo descobre variação inesperada no crescimento em altura das raparigas consoante a idade na primeira menstruação

Quiet Beauty: A tendência que veio para ficar

Quiet Beauty: A tendência que veio para ficar

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Olhos no céu: está aí o 'cometa do século'!

Olhos no céu: está aí o 'cometa do século'!

Georgina Rodriguez é o novo rosto de uma campanha de moda

Georgina Rodriguez é o novo rosto de uma campanha de moda

Os

Os "looks" da passadeira vermelha dos Globos de Ouro 2024

Novidades de outono para vestir a mesa

Novidades de outono para vestir a mesa

Casa do Parlamento – Centro Interpretativo: A democracia trocada em miúdos

Casa do Parlamento – Centro Interpretativo: A democracia trocada em miúdos

Entre nestes 14 escritórios e seja mais produtivo em casa

Entre nestes 14 escritórios e seja mais produtivo em casa

Harry de regresso a África sem Meghan

Harry de regresso a África sem Meghan

Eco Rally Madeira: Carros elétricos ‘invadem’ a ilha num rali ecológico

Eco Rally Madeira: Carros elétricos ‘invadem’ a ilha num rali ecológico

Os alfaiates de violinos

Os alfaiates de violinos

Eco Rally Madeira: Carros elétricos ‘invadem’ a ilha num rali ecológico

Eco Rally Madeira: Carros elétricos ‘invadem’ a ilha num rali ecológico

Desfile de famosas na apresentação da coleção de Louis Vuitton

Desfile de famosas na apresentação da coleção de Louis Vuitton

Narcolepsia: a doença neurológica rara e que pode ter um impacto sério na qualidade de vida

Narcolepsia: a doença neurológica rara e que pode ter um impacto sério na qualidade de vida

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

O primeiro emprego de Luis Portela

O primeiro emprego de Luis Portela

Nova ID. Buzz: cresce em tudo, mas o preço desce

Nova ID. Buzz: cresce em tudo, mas o preço desce

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites