A ceitei dar o meu testemunho porque quero acabar com o tabu que ainda existe relativamente aos transtornos mentais. O meu blogue [transtornoansiedade.pt] nasceu há quase um ano com o intuito de ajudar pessoas como eu, que têm ataques de pânico e procuram respostas na internet.
Hoje, falo abertamente sobre tudo isto. Não sou um profissional de saúde, mas conto a minha história e, no fundo, digo às pessoas que elas não estão sozinhas. Online, não precisam de estar cara a cara com alguém, pode ser mais fácil.
Tive o meu primeiro ataque de pânico aos 22 anos. Seguiram-se muitos outros e a agorafobia foi desencadeada por eles. Cheguei a estar três meses fechado em casa.
Lembro-me bem desse dia. Estava sozinho no carro, a caminho do trabalho, quando fiquei parado no trânsito, na Avenida da República, em Lisboa. Comecei com a sensação de morte iminente: o coração a bater muito, picadas no peito, suores, tremores, parecia que ia desmaiar.
Era um jovem adulto saudável, sem indícios de ter problemas do foro físico ou psicológico, mas só pensava “Vou morrer aqui”. Foram os piores cinco minutos da minha vida, pareceram-me uma eternidade.
Nessa altura, trabalhava como vigilante numa empresa no Saldanha, consegui chegar lá, mas estava tão confuso que só aguentei umas duas horas.
Já em casa, tive outro ataque de pânico, mais forte. Fiquei petrificado, sem conseguir abrir as mãos e com a sensação de desrealização. Via-me de fora, como se fosse um filme.
Não sabia que esse era mais um sintoma clássico de um ataque de pânico e fui logo para o Hospital de Santa Maria, onde a primeira coisa que uma médica me perguntou foi que drogas tinha tomado. Fizeram-me exames e análises e acabei por ser encaminhado para a Psiquiatria.
A minha confusão mental era brutal, mas lembro-me de que pensei: “Como assim, Psiquiatria?!” Por um lado, estava descansado por não ter nada físico, mas o diagnóstico mandou-me abaixo. Nessa altura, ninguém falava abertamente de ataques de pânico nem de outros transtornos mentais.
Comecei então um longo caminho de ansiolíticos e antidepressivos, como se não houvesse amanhã. Tornei-me num zombie. Tinha os sentimentos bloqueados, não ria, não chorava, nada. Na altura, já namorava com a Carla, a minha mulher e a minha âncora, e passei de muito brincalhão a… nada.
Mesmo com a medicação, tinha mais de sete ataques de pânico diários. Depois daquele primeiro a conduzir, tive ataques ao deitar-me, ao levantar-me de manhã, no meio de um centro comercial, num estádio de futebol… A partir daí, fiquei com medo até de acordar e de adormecer.
Desenvolvi a agorafobia devido aos ataques de pânico constantes. Acabei por me sentir incapaz de sair de casa, porque tinha medo de tudo. Morava num bairro pacífico, mas nem sequer conseguia ir ao café, para me encontrar com amigos. Saía do meu quarto só para ir à casa de banho.
Ao fim de três meses fechado em casa, cheguei a pesar 60 quilos para 1,80 m de altura, porque quase não comia. O meu corpo estava numa tensão tão grande que a comida não descia.
A única altura em que saía de casa era para ir ao psiquiatra, em Santa Maria. Era um sofrimento, porque o médico se atrasava sempre várias horas. Quando estava na sala de espera, pensava: “Para quê?” Não via melhoras e só lá ia para a baixa e a medicação, não tinha psicoterapia.
“Não descontraio”
Um ataque de pânico é um grande sofrimento, mas com o tempo aprendi que não vale a pena lutar quando está a acontecer. O pior que podiam dizer-me era: “Isso passa-te, não é nada.”
Na altura, só queria que me deixassem sossegado, no meu canto. Uma pessoa refugia-se no nada, no vazio… Quanto mais me diziam que não era nada, mais raiva me dava.
Para os meus pais, coitados, era difícil perceber o que estava a acontecer-me. Sei que procuraram respostas em todo o lado, até nas ciências ocultas. Eu nunca irei descobrir o que desencadeou tudo isto, mas acredito que tenha sido devido a traumas de infância que consegui desbloquear através da psicoterapia que fiz uns anos depois.
A fase da incompreensão é a pior. Mas acho que nem se pode exigir que os outros compreendam, porque um transtorno mental não é uma doença palpável, não é um braço partido.
Naqueles meses em que sofri de agorafobia, cheguei a pensar que não valia a pena estar aqui, estive para desistir. A medicação demora tempo a fazer efeito, até acertarem a dosagem…
Tomei ansiolíticos e antidepressivos durante um ano e depois entrei no carrossel dos desmames. Quando parava completamente, os ataques voltavam. Pensei que ia ter de tomar remédios o resto da vida, que seria sempre um zombie.
A medicação bloqueava os sintomas e também os sentimentos. Deixei de chorar, tornei-me frio perante as adversidades. Sou mais realista, terra a terra, e às vezes corto os sonhos dos outros, talvez por causa daquilo com que tive de lidar. Mas voltei a ser um bocadinho palhacinho.
Quando saí do poço, percebi que não vale a pena esconder nada disto, mas foi só quando consegui falar sobre o assunto que procurei a ajuda de um psicólogo. Demorei a aceitar que precisava de ser apoiado emocionalmente.
Foi muito importante saber que tinha pessoas ao pé de mim, desde que não falassem [Risos]. Hoje, já consigo rir-me com isto, mas na altura era sobretudo importante ter alguém a quem pedir ajuda.
Ultrapassei a agorafobia, mas estou sempre em estado de alerta, não descontraio. Quando entro numa sala, fico atento aos pontos de fuga. Todos os dias, faço a ronda da casa, tenho de ser o último a sair. Felizmente, a minha mulher acha ótimo, porque é muito distraída [Risos].
Mas continuo ansioso e hipocondríaco. A verdade é que mascaro a ansiedade muito bem. Aprendi a escondê-la para não causar apreensão nos outros. E construí mecanismos para saber viver com ela. A minha principal estratégia é tentar fazer aquilo de que gosto mais – caminhadas em família e andar sozinho de moto.
Logo a seguir à longa fase dos ataques de pânico, fiz uma tatuagem no pescoço. É em Mandarim e significa “saúde”, aquilo que eu mais queria ter.
Depoimento recolhido por Rosa Ruela