Maternidade. Para mim foi sempre uma palavra sobre a qual não era preciso falar muito, uma coisa que iria acontecer a seu tempo, até porque tinha uma atitude maternal, talvez influenciada pela minha mãe, muito meiga para com os filhos.
Tive sempre dores durante a menstruação, mas diziam-me que era normal, até que, aos 16 anos, houve um indício de que algo não estava bem e fiz um primeiro tratamento aos ovários.
Em 2012, iniciei a minha relação, aquela que me poderia abrir as portas da maternidade. As dores, entretanto, ficaram mais fortes, começaram a aparecer também durante a ovulação e, a certa altura, faziam parte da minha vida diária. Ficava de cama e faltava ao trabalho, porque sentia um cansaço extremo e uma má-disposição com náuseas, tinha dores na bexiga e durante a intimidade.
Perante estas queixas, o comentário do médico que me seguia foi: “Não seja medricas, vá para casa e faça um bebé.” Nunca mais lá voltei. Nesse dia, marquei consulta noutro ginecologista, por coincidência especializado em infertilidade, que disse logo: “Algo se passa, vamos investigar.”
Alguns meses e vários exames depois, obtive o diagnóstico de infertilidade: “Tem as trompas completamente obstruídas, nunca engravidará de forma natural, só por milagre!” Passo seguinte? “Vamos fazer cirurgia e desobstruir.” Assim foi. Fiz uma laparoscopia e obtive mais um diagnóstico: endometriose [quando o tecido que forra o útero está fora da cavidade uterina].
Apesar da endometriose, esse médico disse-me que talvez eu engravidasse num prazo de seis meses, mas a hipótese era mínima. Não engravidei e sentia-me ainda pior do que antes da cirurgia. Consultei, então, outro médico, que me falou no tratamento de PMA [procriação medicamente assistida], mas as probabilidades não estavam a meu favor. Talvez o melhor fosse “pôr a ideia de lado”.
Não pus a ideia de lado e fiz a IIU [inseminação intrauterina], em Coimbra. Também aí doeu a forma como fui tratada; para alguns médicos, eu era apenas mais um número. Na última IIU, perante mais um resultado negativo, chorei compulsivamente durante os 80 quilómetros de regresso a casa.
Estava cada vez pior, sobretudo nos períodos menstrual e fértil. Nessas alturas, as dores eram horríveis: na bexiga (às vezes sem conseguir ir à casa de banho), todo o baixo-ventre (parecia rasgar-se por dentro), zona lombar direita, pernas. Tinha dificuldades em respirar, um cansaço extremo, náuseas e o contacto íntimo era impossível.
Resolvi ir a um novo médico e foi aí que descobri que o meu espetacular e lindo útero tem adenomiose difusa [presença generalizada de tecido endometrial na musculatura]. Fui submetida a mais uma cirurgia – sabia que os ovários poderiam ficar comprometidos e, por arrasto, a possibilidade de gravidez –, mas fiquei com o útero limpo, era o melhor que podia fazer.
Umas vezes, choro por causa da dor física, choro de culpa porque não mudei mais cedo de médico, choro devido à dor psicológica; outras vezes, fico com raiva face aos comentários do género: “Tire tudo, quer ter filhos para quê?”, “Ah! Mas dói assim tanto?”, “De cama, outra vez?” Por incrível que pareça, escrever ajudou-me. Sempre que um tratamento não dava resultado, escrevia na companhia das lágrimas e da minha cadela Mac
Após essa cirurgia, fiz mais estimulação ovárica, mais coito programado e uma FIV [fertilização in vitro]. Apesar dos custos, tinha mesmo de fazer essa FIV ou nunca me perdoaria. Entreguei-me de corpo e alma. “É agora!”, pensei.
Tive um óvulo, que foi fecundado e parou de evoluir no terceiro dia. Aguentei-me a ouvir o veredito, mas depois chorei até não ter mais lágrimas. No dia seguinte, fui trabalhar como se nada fosse. O processo foi passado num sofrimento silencioso e incompreendido. Deviam dar-me um Oscar por camuflar tão bem o que me ia na alma.
Como lido com tudo isto? Umas vezes, choro por causa da dor física, choro de culpa porque não mudei mais cedo de médico, choro devido à dor psicológica e à infertilidade que me “saiu na rifa”; outras vezes, fico com raiva face à desvalorização e insensibilidade da sociedade, aos comentários do género: “Tire tudo, quer ter filhos para quê?”, “Ah! Mas dói assim tanto?”, “De cama, outra vez?”
Por vezes, quando alguém engravida naturalmente fico feliz e desejo-lhe o melhor, claro, mas sou invadida por uma grande tristeza, por não conseguir o mesmo. Quando as pessoas não querem ter filhos e engravidam (à primeira!) só por imposição da sociedade, ai, que dor! Penso que é uma injustiça cruel e choro compulsivamente. Já hesitei em visitar bebés, por medo de começar a chorar.

Há alturas em que consigo falar disto apenas com as lágrimas nos olhos e um nó na garganta. Continuo a sorrir, quase todos os dias, e mantenho a minha capacidade de amar.
Por incrível que pareça, escrever ajudou-me. Sempre que um tratamento não dava resultado, escrevia na companhia das lágrimas e da Mac, a minha cadela de estimação (infelizmente, já desaparecida). Parecia que ela percebia a minha dor. Sei que parece estranho, mas sentia um grande apoio e compreensão. Um dia, lembrei-me de contar a minha história vista pelos seus olhos, e assim nasceu o livro infantil Mac à Espera do Nunca.
Por que razão exponho algo tão íntimo, que ainda dói tanto e continua a ser assunto tabu? Falar sobre infertilidade é esmiuçar uma ferida aberta, que não sei se um dia cicatrizará, mas não podemos ter medo do julgamento e da incompreensão da sociedade. Foi para deixarmos de sofrer em silêncio que escrevi o livro.
É importante que as crianças e os jovens tenham contacto com estas doenças, para que, caso um dia deparem com estes diagnósticos, possam enfrentá-los com mais confiança e menos solidão. É um livro transversal a todas as idades. Os mais pequenos gostam das imagens, as crianças dos 6 aos 12 anos já percebem do que se trata, os adolescentes questionam alguns assuntos e os adultos podem estar a passar por algo semelhante.
A entreajuda das pessoas inférteis é muito importante. Não podemos continuar a sofrer sozinhas. No meu caso, ainda estou a percorrer o longo e tumultuoso caminho da aceitação. Um passo de cada vez, um dia de cada vez.