Quanto maior a produção cinematográfica, mais estimulante é o desafio. E multiplicam-se os detetives cinéfilos em busca de contradições e erros que escapem aos mil olhos das vastas equipas de Hollywood. Interstelar facilita-lhes a vida. O filme não tem apenas buracos negros e buracos quentes, também tem colossais buracos de argumento (há um do tamanho do filme inteiro). O Vulture, um site de cultura de entretenimento americano, listou 21 pontos que não fazem sentido em Interstelar. É uma leitura dura. Algumas alíneas da Vulture são facilmente rebatíveis. Dão vontade de responder: “É o cinema, estúpidos”. Mas é verdade que grande parte do filme de Christopher Nolan consiste na assunção de uma enorme falha de lógica, que tem a ver com os efeitos da permeabilidade do tempo; só que tudo parece tão complicado e tão científico que o espetador aceita a falha sem se dar ao trabalho de a questionar. Poderá quanto muito ficar com a sensação de que nem tudo bate certo, mas, enfim, confia na ciência.
Até porque Interstelar é um filme de ficção científica no sentido literal do termo. Não é apenas futurista, adivinhando acontecimentos de um futuro próximo. Ao exemplo do que acontecia em 2001, de Kubrick, por intermédio de Arthur C. Clarke, especula-se sobre futuras descobertas da ciência e sobre a forma como estas alteram a nossa perceção do mundo. São especulações alicerçadas nos conhecimentos de hoje e cientificamente verosímeis e até sustentadas, na medida em que tudo isto se poderá prever. Tal não implica que não se incluam cenas totalmente fantasiosas, perfeitamente justificáveis, porque os buracos negros e os buracos quentes permanecem enormes mistérios do espaço.
Por outro lado, como base, há uma especulação científica mais sustentada, que tem a ver com o esgotamento dos recursos do planeta, bem como as alterações climáticas fruto do efeito nefasto da emissão. Pressupõe-se um recuo tecnológico – porque o mundo não precisa de engenheiros, mas sim de agricultores. Mas chega-se a um tal ponto de insustentabilidade que a única solução é procurar um novo planeta para viver. A Terra já não é reciclável. Essa talvez seja a maior reflexão proposta. De resto, fica a ideia de que não há tecnologia que se sobreponha a um bom argumento. E pese a espetacularidade da câmara Imax, Interstelar vive da História que conta.