Desenvolvendo-se com uma falsa lentidão o livro foca uma protagonista em crise, claramente afetada por qualquer coisa, a princípio navegando situações e conflitos do dia a dia entre o obsessivo e o anódino. Alguém com quem os próximos não sabem como lidar, criando-se um desconforto narrativo perturbador desde o início. Mas esta é, sobretudo, uma história pungente sobre a perda, uma perda terrível, inevitável e desorientadora nas suas diversas dimensões, cujos contornos um leitor vai desvendando quase ao mesmo tempo que as personagens. A segunda “falsidade” em “O mangusto” relaciona-se com o traço aparentemente simples (entre o clínico e o evocativo) de Mosi, num preto e branco onde os espaços vazios desempenham um importante papel de pontuação narrativa, deixando protagonista e leitor respirar por entre as suas dúvidas. Oscilando pelo familiar e pelo simbólico, entre o palavroso e diferentes tipos de silêncio (meditativo, incómodo, louco), entre o óbvio e o inesperado, ao longo da obra são glosados mecanismos possíveis para lidar com uma dor tão grande que precisa de ser sublimada para poder ser, sequer, reconhecida. No final, leitor e protagonista parecem unidos numa mesma calma e resolução feita de compromissos constantes. Embora se note a distância entre autora e obra, ou que história por vezes oscile e evolua de forma orgânica, e não necessariamente planeada, a verdade é que esse posicionamento e hesitações acompanham a evolução da protagonista, também ela a braços com um percurso em busca de uma redenção mínima, que nada tem de linear. Uma obra notável, num ano em que não foram raros os livros a merecer destaque.
Embora o tom seja distinto, uma sensibilidade afim está presente em “E agora?” (Iguana), uma continuação das “aventuras” em tom autobiográfico da sua autora, Raquel Sem Interesse. Marcado por um ágil traço em registo caricatural a preto e branco, ao longo do livro nota-se por parte da autora uma abertura cada vez maior para pensar criticamente o seu percurso, as suas relações pessoais, profissionais e familiares; as angústias e dúvidas de quem se quer afirmar no mundo, e com as quais muitos leitores se identificarão. Ou seja, todas as dores de crescimento que cada um de nós acha serem únicas, mas que muitos ao lado partilham. Registe-se o cuidado narrativo num registo de autobiografia não totalmente “franco”, que por vezes pode roçar a violência e a crueldade, para com a própria e para com todos quantos, no fundo, são os atores secundários da sua vida. Desse ponto de vista o dosear do humor é crítico para uma abordagem eficaz, e a subtileza profunda do quotidiano em “E agora?” merecem sem dúvida uma visita prolongada. Com um pseudónimo que é todo um programa, a autora mostra aqui não estar à sua altura. Felizmente.