JL: Qual a ideia chave do percurso de José Saramago: A Semente e os Frutos
Fernando Gómez Aguilera: Mostrar um escritor imerso num universo de livros. Mostrá-lo envolto em papel: no papel da sua escrita e na latitude da sua escrita. Além disso, mostrá-lo na sua universalidade e na universalidade da sua palavra, a ressonância universal da sua literatura. Além disso, mostraremos outra dimensão de José Saramago: o seu compromisso cívico e crítico. Tentaremos representar estas duas dimensões na sua fundação que está amparada por um extraordinário património de manuscritos e de documentos originais.
Veremos coisas diferentes das de A Consistência dos Sonhos?
Não são coisas diferentes, mas podem ver-se muito mais concentradas e enriquecidas pela parte final da vida de Saramago, que não se focou na Consistência… Este projeto expositivo também se caracteriza por tentar criar um discurso que recolha documentos de origem diversa e de uma forma muito interativa. Há muitos documentos originais, primeiras edições, cadernos de notas, agendas e muitas fotografias. Além disso, temos uma serie de suportes informáticos que podem mostrar o interior dos documentos já digitalizados e que se vão movendo no interior das vitrinas. Teremos também ficheiros áudio visuais – tanto de imagens, como de textos lidos por Saramago, quer dos seus livros quer de intervenções públicos.
O que destaca?
Num primeiro impacto, estão as origens de Saramago que descobrimos em
A Consistência dos Sonhos. Havia coisas de que não tínhamos notícia, nomeadamente de escritos em torno de
A Terra do Pecado e que se afloraram agora com
Claraboia. Teremos rastos de contos e de cadernos de notas que não se conheciam que integram esta mostra. Ressaltaria também o
Memorial do Convento. Há duas vitrinas que mostram não só os documentos originais, como outros que revelam o seu processo de trabalho. Percebemos como Saramago executava a recuperação de informação para se aproximar da relação tão inteligente e tão polémica que mantinha com a História. O
Memorial não é uma novela histórica, mas dialoga com a História, mostrando a realidade do ponto de vista da literatura. Saramago fá-lo a partir de uma fortíssima investigação dos documentos da História formal, introduzindo depois a imaginação e construindo um discurso heterodoxo. Destacaria ainda a parte dedicada à sua figura internacional e à sua importância como criador de opinião pública mundial. Uma voz com capacidade de ressoar em muitos lugares, criando opinião que se confrontava com a versão oficial do poder.
Como se adaptou a exposição à Casa dos Bicos?
Não é um espaço fácil de traduzir num discurso expositivo de um escritor. Pretendemos introduzir um elemento de contraponto moderno nos dispositivos da mostra de modo a dialogarem com este magnífico edifício histórico. Ele há de se converter não só num polo cultural da cidade, mas – e penso que isso iria agradar muito a Saramago – num espaço de regeneração urbanística desta área da cidade. Espero que possa impulsionar os cidadãos à sua volta a apropriarem-se de todo este espaço público. Creio que a Casa dos Bicos será uma referência em termos culturais mas seria especialmente bom que se convertesse num polo de atividade cidadã. A Casa dos Bicos pode converter-se num espaço catalisador urbano e social. Este é um compromisso da FJS e de Pilar del Río. Com esta mostra pretendemos contribuir para mostrar que para Saramago a cultura é não só um elemento de discurso endogâmico, mas que se transforma num diálogo com os problemas do mundo contemporâneo.
Será uma exposição permanente?
Em princípio, o modelo para este tipo de museus, é que se regenerem e se vão transformando. Digamos que esta exposição enlaça por um lado com a memória da Consistência… e se reinventa para dar origem a novos movimentos e atualizações do espólio de José Saramago. O ideal seria que estivesse patente durante um ano, um ano e meio. A partir daí pode converter-se em outras mostras específicas de determinados períodos da vida do Nobel, de determinados livros, entre muitas outras ideias.