Estava tudo preparado para uma grande festa: neste preciso momento em Valparaiso, Chile, deveria estar a decorrer o V Congresso de Língua Espanhola. Mas a natureza interpôs-se. O terramoto do passado sábado tornou absurdas todas as tarefas para além da sobrevivência. Numa homenagem ao Congresso tão tristemente perdido, ao Chile e à própria língua espanhola, o suplemento do El Pais, Babelia, e o blogue Papeles Perdidos decidiram realizar uma modalidade virtual deste congresso, pondo em discussão algumas das questões que deveriam estar a ser tratadas em Valparaiso. Sabendo-se que nove em cada dez hispano-falantes são ou têm origem americana e que o espanhol é hoje a segunda língua global, a terceira mais usada na Internet e a quarta mais falada no mundo, que tipo de regras devem nortear o seu bom uso, escrito e falado? Partindo-se do princípio que o idioma falado na Argentina ou nas Honduras tem o mesmo valor que o de Espanha, a quem cabe regular as modificações a que vai estando sujeito? A língua, qualquer que seja (sobretudo as faladas por muitos milhões de pessoas) não é um acessório politica e culturalmente neutro e, como tal, as opiniões dividem-se, entre os puristas, avessos à mudança, e outros, como os escritores Javier Cercas (espanhol) e Fernando Iwasaki (peruano) para quem o idioma, como organismo vivo, não pode evitar as implicações (e contaminações) dessa condição. Língua materna de 23 nações independentes, o espanhol tem a sua origem histórica em Espanha, mas não é, na verdade, propriedade dela.
Convencidos de que o amor, neste caso à língua, multiplica e enriquece (em lugar de dividir e separar), os organizadores do Congresso tinham previsto o lançamento de um
Dicionário de Americanismos, prova cabal de como García Marquez, Pablo Neruda e os seus compatriotas trabalham todos os dias o património que lhes foi legado por Cervantes, Francisco de Quevedo ou Antonio Machado. Até 6ª feira, no referido blogue, poderemos ler e ouvir as opiniões de grandes nomes das culturas de língua espanhola sobre este património comum: entre outros, Eduardo Mendonza, Juan Gabriel Vasquez, Adolfo García Ortega e Rosa Montero. Tudo sob o mote de Neruda e do seu poema “Las Vidas”: “Tu pueblo,/tu pueblo desdichado,/entre el monte y el rio, con hambre y con dolores,/ non quiere luchar solo,/ te está esperando amigo”.