1 Mas sim. O cinema como aquilo que faz em primeiro lugar levantar a cabeça. Não se vê cinema com o pescoço inclinado para o chão; o cinema não é um tapete, não está ao nível dos sapatos, não está no solo. E quando está não funciona.
Não está ao nível da marcha, mas sim ao nível do voo.
E é isto. Levantar a cabeça é já uma forma de aprender a difícil arte de abandonar o solo. Podemos abandonar o solo através da suspensão física ou abandonar o solo através da suspensão mental.
Lições de voo: primeiro lição. Não vamos para o simulador de um avião. Não é uma questão física, é cosa mentale. Como a pintura. Voar.
Como mero exemplo, primeira lição de voo: ver Sacrifício, de Tarkovski.
2 Aprender a voar na cadeira da sala. Na cadeira de frente para a janela. A janela como o primeiro cinema evidente. Uma tela que mostra o que está ali à frente e à volta.
Um cinema de vizinhança, literalmente: ver algo da janela.
3 Pensar, então, em ver cinema a partir da janela da casa. Uma enorme tela numa praça, mas os espectadores estão em casa, lá dentro, abrigados; veem da janela. Um duplo ecrã: vejo da janela a tela lá ao fundo e, nela, o filme.
4 Entre a cultura e a técnica, os ensaios de Fundamento e Imersão, da Orfeu Negro. Ortega y Gasset, Arnold Gehlen e outros servem de mote. E o contemporâneo aí está, a exigir que se continue a pensar.
Num dos belos ensaios, José Bragança de Miranda cita uma carta de Duchamp a Stieglitz: “Gostaria que a fotografia levasse as pessoas a desprezarem a pintura até que surja outra coisa que torne a fotografia insuportável.”