Cartografia de orientação para conhecer o escritor que acaba de ganhar o Prémio Camões. Manuel António Pina (MAP) na primeira pessoa, através das suas palavras, largadas em crónicas da VISÃO ou em entrevistas que vai dando por aí
Costuma dizer que a sua poesia é tudo o que tem a dizer sobre ela. Acontece que o poeta/cronista/romancista/escritor de livros infantis/e tanta coisa mais tem muito a dizer sobre o mundo, desde as coisas “infinitamente pequenas” às coisas “infinitamente grandes”. Licenciado em Direito, fez do jornalismo uma espécie de posto de observação vai para mais de 40 anos. Manuel António Pina, vencedor do Grande Prémio de Poesia APE (2006), e agora do prémio Camões, escreve para “memória presente”: “Quero lá saber do futuro!”
Autarquia do Porto: …”gerida como um minimercado, onde os únicos livros são o “deve-e-haver” e o “livro-razão”, e as únicas letras as de câmbio…”
In Mártires da Cultura, Visão, Jan de 2007
Alberto João Jardim- “Tenho devo confessá-lo, uma admiração doentia por AJJ, uma das minhas personagens de literatura pícara favoritas, e acompanho intensamente cada peripécia das suas aventuras. (…). O que distingue Albrto João de todas as demais personagens do confuso género herói-cómico é a sua inabalável fé (meu Deus, e se calhar com razão!) na eficácia da receita de O’Neill:” Com o hálito/ já desfiz alguns bailes /afinal seria bem fácil/ dominar o mundo.” O que ele tem, nestrs 30 anos, feito e desfeito com o hálito! (…) Jardim é sempre o abono de família dos cronistas sem assunto”
In Aventura na Madeira, Visão, Dez de 2006
Blogues – “A blogosfera , na China como nestas mansas paragens, é um espaço de liberdade e pluralidade que veio para ficar, é melhor irem-se habituando a isso os donos da informação”
In Anónimos, Dizem Eles, Visão, Nov de 2008
Medo – “Se o governo dinamarquês se mostra tão pesaroso por causa de uns pindéricos desenhos de jornal; se o ministro Freitas do Amaral aconselha prudência e propõe um jgo de futebol de desagravo entre árabes e cristãos (em que, fica implícito, os cristãos deixariam os árabes ganhar); se a Ópera de Berlim cancela uma encenação de Mozart por nela se mostrar uma cabeça cortada de Maomé (…); se a Whitechapel Art Gallery, de Londres, retira de uma retrospectiva de Bellmer organizado pelo Centro Pompidou as telas com mulheres nuas de modo a não ofender os delicados sentimentos dos imigrantes muçulmanos; se o Papa lamenta ter, num momento de infelicidade, citado uma frase de um imperador bizantino do século XIV; porque não hão-de ter medos os aldeões de Alcoi, em Espanha, que deixaram de se fantasiar de mouros nas suas ancestrais ‘Festas de Mouros e Cristãos’, ou os crentes de um bairro popular do -porto ao descobrirem em plena missa que o novo padre tinha um avô muçulmano?”
In Vêm aí os Mouros, Visão, Out de 2006
Winnie-the-Pooh – “Talvez certos livros sejam excessivamente parecidos com as crianças para que as crianças os possam amar. Winnie-the-Pooh é, se calhar, esse género de livro. As suas personagens pensam e agem profundamente como crianças e talvez um adulto possa, mais do que uma criança, simpatizar com a sua razão e a sua inocência linguística (as invenções verbais, as repetições, as redundâncias, as petições de princípio.) e aí confusamente reconhecer algo (o quê?) para sempre perdido. -talvez, quem sabe?, só um adulto possa compreender a infância. Talvez as crianças estejam perto de mais da infância para poderem vê-la”
In Winnie-The-Pooh, Visão, Set de 2006
Futebol – “Interesse público? Faça-se a pergunta aos adeptos que precisam, do ritual do campeonato tanto quanto outros precisam de livros e de música (ou, como eu, de livros, de música e campeonatos), principalmente aos que vivem vidas brutais em periferias degradadas, para quem a pertença e a emoção clubísticas constituem referências essenciais de identidade e o futebol é uma forma, às vezes a única, de investimento de paixão e fantasia”.
In Os ‘Bárbaros’ entre Nós, Visão, Set de 2006
Riso – (…) numa aflita reunião geral do MÊS (daquelas do género “1. Informações; 2. Análise da Situação; 3. Medidas a Tomar”), um militante pediu a palavra e dirigiu-se à assembleia: “Calma, camaradas! Um ano de anarquia já ninguém nos tira!” O riso regressara, era sinal de que acabara a Revolução. (…) Aos poucos, os portugueses voltaram finalmente a poder rir-se de si mesmos (com a inestimável ajuda, honra lhes seja feita, de muitos democratas.) (…) Obrigado dr Alberto João Jardim!, obrigado dr Rui Rio, obrigado dr Fernando Rosas!, obrigado todos os cómicos de serviço!, obrigado défice!, obrigado desalento!, obrigado desesperança!, nós, os que morremos de riso, vos saudamos!”
In Tempos de Amargura, Visão, Ago de 2006
Poesia – A poesia é feita e desfeita da volúvel matéria das palavras, dos seus murmúrios, dos seus sentidos, dos seus tantas vezes misteriosos propósitos. E das raízes das palavras no mundo onde desgarradamente se prende a solidão no mundo, do formidável poder das palavras não apenas de nomear mas de fazer o mundo.
Acho que a minha relação com a poesia (com a arte em geral) não é uma busca de qualquer coisa de novo. É uma busca de qualquer coisa que eu já sabia mas que não sabia que sabia. O poema é essa revelação. Nesse aspecto de revelação também tem alguma coisa de mistério e de sagrado
In O Refúgio da Poesia, TSF, por Carlos Vaz Marques, Maio de 2006
Televisão– Gente como eu, nocturna, dedica-se madrugada dentro, a fazer zapping à cata, como um pesquizador de ouro, de um momento milagroso de desatenção da programação dos canais de cinema, aproveitando avidamente cada escassa pepita ocasional que refulja, timidamente que seja, no meio da selva obscura da ganga e do chumbo
In De Repente, Lola, Visão, Junho de 2006
Palavras– Todas as palavras têm o seu lugar. Algumas curiosamente, aparecem de forma inesperada. Lembro-me – até sou capaz de me recordar da data: 1981 – de ter escrito, pela primeira vez, num poema (fiz uma festa, na altura), a palavra pétala. Incluí a palavra pétala e dei-me conta disso. Às vezes, aparece uma palavra que provoca um certo sobressalto porque tem aspecto de novidade. A palavra pétala é uma palavra difícil. Problemática. Tem um conjunto de conotações e de referências a um certo tipo de poesia que, provavelmente, não tem nenhuma familiaridade com a minha”
In O Refúgio da Poesia, TSF, por Carlos Vaz Marques, Maio de 2006
Jornalismo– A relação do jornalismo com a poesia, para mim, teve sempre um aspecto dúplice: por um lado, o jornalista aprendeu com o poeta, fundamentalmente, o respeito pelas palavras. E a lição fundamental que a minha poesia, creio, trouxe do jornalismo foi a da humildade. O jornalismo é uma actividade de humildade, uma actividade naturalmente humilde. Diziam os velhos tipógrafos que o jornal do dia seguinte é para embrulhar peixe. No fim de contas, o poema, no dia seguinte, também é para embrulhar peixe”
In O Refúgio da Poesia, TSF, por Carlos Vaz Marques, Maio de 2006
Memória- (…) escrevemos com a memória e contra a memória. (…)Tenho a consciência de que a memória pode esconder alguma coisa debaixo da memória que a memória não me revela, que me impede de conhecer, de contactar. Aquilo que está debaixo da memória, provavelmente, será o próprio Ser.
idem
Astronomia – (…) Tudo o que ér infinitamente grande ou infinitamente pequeno são sempre lreituras e experiências fantásticas. (…) Se essa malta que se injecta por aí, lesse um livro de astronomia tinha uma pedrada muito mais forte. Permanece muito mais e também provoca dependência e habituação.
idem
Tranquilidade – A noção e a consciência plena da irrelevância individual, da minha própria irrelevância, do facto de tudo aquilo que escrevo acabar por ser esquecido, mais tarde ou mais cedo (e de eu próprio ser esquecido, dado tudo tender para o esquecimento mesmo as memórias, aquilo de que hoje me lembro e de que todos nos lembramos), o facto de a própria eternidade caminhar a passos largos no sentido do esquecimento, tudo isso me dá uma enorme tranquilidade e serenidade”
Idem
Viagens – Eu detesto viajar. Uma vez em Bordéus uma jornalista disse-me: se calhar não gosta de viajar por ter andado tanto de terra em terra”, e eu tomei consciência disso…O melhor das viagens, poara mim, é o regresso. Digo num poema meu: o ideal é não nos afastarmos da casa mais do que nos permite metade das nossas forças”, que é para regressarmos. E falo também de “ver sempre ao longe a cor do nosso telhado”.
In Como se Escrever Fosse uma Espécie de Refúgio, por Pedro Dias de Almeida, publicação+ data
Pesadelo – Essa coisa do regresso a casa é tão importante para mim, que um dos meus pesadelos infantis era eu ir para a escola – numa casa da Sertã onde tinha só de atravessar a rua – e a certa altura começava a passar um comboio na rua que não me deixava voltar para casa… Esse comboio era um comboio eterno, sempre a passar, a passar; eu estava do lado de cá e havia esse comboio entre mim e a casa… Por isso tudo é que a casa aparece muito nos meus poemas.
Leitura- Ler é reconhecer-se. Lemos, e gostamos, e relacionamo-nos mais, com aquilo que se nos assemelha.
Idem
Escrever. Porque é que eu escrevo? Porque não faço outra coisa qualquer? Ainda se fosse para ganhar a vida, ms isto não é para ganhar a vida – eu costumo dizer qie é para salvá-la, o que quer que isso signifique… Para quê? Porque tenho medo. A literatura como uma espécie de salvação, de refúgio…
Direito – O grande objectivo do Direito é a segurança, não é a justiça. Há muitas normas e institutos jurídicos que são assumidamente injustos em nome da segurança. Por exemplo, as normas relativas à prescrição… é injusto mas respeita a segurança, porque pode destabilizar julgar um crime antigo.
Idem
Crónicas – jornalismo com saudades da literatura ou literatura com remorsos de ser jornalismo
In Crónica de uma Servidão, Jornal de Letras, por Maria Leonor Nunes, Junho de 2010
Intervenção política- Limito-me a reflectir (cepticamente a maior parte da svezes) em voz por assim dizer alta. Não tenho nada para vender a ninguém
Idem
Homenagens- Há muita generosidade, mas também muita imprudência. Eu, que me conheço, é que sei”
idem