Autor em grande atividade o argumentista André Oliveira tem revelado talento em trabalhos distintos. Com desenhos do sempre eficaz Osvaldo Medina Hawk (Kingpin Books) é uma reflexão sobre a inércia e a procura de sentido num contexto de perda e de falta de referências, focada num jovem agorafóbico “woody allenesco”, que tenta ser produtivo sem se sentir irrelevante. O próprio formato italiano (“deitado”) do livro sugere de forma inteligente a situação do protagonista, resgatada por uma ave de rapina ferida, simbolismo que funciona também de elemento de ligação a uma infância (mais) feliz. André Oliveira é excelente na definição do contexto narrativo, na gestão de ambientes e na caracterização indireta de personagens, embora fique a sensação que é sobretudo aí, e não no desenrolar da história em si, de um modo que trabalhe (ou transcenda) os elementos mais previsíveis, que se centram os seus interesses.
Jogando de modo inteligente com o nome do protagonista e a palavra “testamento”, Living Will (Ave Rara) é também uma história de perdas, neste caso ligadas a uma viagem em torno da memória. Mas, ao ser editado em fascículos (foram lançados 3 de 7) e em inglês, parece também um bom cartão de visita para divulgar os autores noutros mercados. Neste caso é o também excelente desenho de Joana Afonso (com um paleta tricolor a marcar cada número) que acompanha mais uma história/reflexão de André Oliveira, na qual personagens em fim de vida procuram resolver conflitos antigos e atingir a redenção possível. A única questão é, mais uma vez, o (lento) ritmo narrativo, que numa série em fascículos não é necessariamente equivalente a capítulos numa obra única, devendo incluir também algo de auto-conclusivo em cada número. E se a escrita de Oliveira mantém toda a qualidade, e o desenho de Afonso é notável a passar das promessas da juventude ás desilusões da velhice, é difícil ainda avaliar “Living Will” nesta altura; muito pouco aconteceu ainda.
Se André Oliveira parece quase omnipresente, Nuno Duarte (O Baile, A fórmula da felicidade), outro dos bons argumentistas nacionais, não fica atrás. Em Fri(c)ções (El Pep) consegue tirar o melhor partido do desenho evocativo a preto e branco de João Sequeira em quatro histórias curtas que evocam outros tantos universos referenciais reconhecíveis, misturando e subvertendo, com destaque para a revistação delirante e inteligente (pela amálgama de citações) do policial “hardboiled”. Se a tendência de Sequeira para o grotesco e a quase-abstração nem sempre são úteis à narrativa, quando a ligação resulta as suas sombras conseguem dar um tom dúbio perfeito à linearidade (aparente) da escrita.
Numa última nota, era evidente que a influência dessa pedrada no charco que foi Dog Mendonça e Pizzaboy de Filipe Melo se faria sentir na BD nacional, e Obscurum Nocturnus uma corajosa autoedição de Diogo Carvalho (com prefácio de Melo) é um bom exemplo. Seitas, “zombies” e justiceiros reúnem-se num contexto de alienação contemporânea em Aveiro, com consequências previsíveis. Um esforço honesto? Sem dúvida. Com limitações gráficas e narrativas claras? Também. Mas sem este tipo de testes não há evolução.
Hawk. Argumento de André Oliveira, desenhos de Osvaldo Medina (cor de Inês Falcão Ferreira). Kingpin Books. 80 pp., 14 Euros.
Living Will (1, 2 e 3). Argumento de André Oliveira, desenhos de Joana Afonso. Ave Rara. 16 pp., 2,95 Euros cada.
F(r)icções. Argumento de Nuno Duarte, desenhos de João Sequeira. El Pep. 60 pp., 15 Euros.
Obscurum Nocturnus. Argumento e desenhos de Diogo Carvalho. Autoedição. 120 pp., 11 Euros.