Um “grande elogio“ e um “questionamento” da Língua Portuguesa (LP), na performance-conferência Outra Língua, que estreia a 20, no Teatro Viriato, em Viseu. “Porque é uma forma de construir a nossa subjetividade e a História, mas é preciso interrogá-la e pensarmos o que é urgente fazer para que represente mais a nossa realidade hoje”, diz ao JL Raquel André. A performer e encenadora dirige o espetáculo com Keli Freitas, que também assina o texto, a partir de um “processo colaborativo” de criação, com outras duas intérpretes, Nádia Yracema e Tita Maravilha. Quatro mulheres, de Angola, Brasil e Portugal, num “estúdio de trabalho”, que questionam a LP com “língua afiada”, muito “humor e uma certa pedagogia”, “porque é preciso disputar as palavras.” Outra Língua será posteriormente apresentada, a partir de 26 e até 12 de junho, na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II.
Jornal de Letras: Que Outra Língua vai estar em cena?
Raquel André: A ideia surgiu no Brasil, onde morei sete anos e conheci a Keli Freitas. Quando me ouvia falar, ela tinha sempre um grande espanto por causa do meu sotaque. Muitas vezes, perguntávamo-nos: será que falamos a mesma língua? Entretanto, eu voltei e a Keli também veio viver para Portugal e sentiu-se o mesmo com o sotaque dela. E tivemos vontade de questionar esta língua que aprendemos a um oceano de distância, nos nossos pequenos lugares, porque ambas vimos de subúrbios de grandes cidades, ela do Rio de Janeiro, e eu de Lisboa. Queremos pensar o que é a geografia das nossas línguas, o que conta sobre nós.
Um questionamento também dos aspetos históricos?
Sim, através da língua também podemos reconhecer a História, como a LP chegou a tantos lugares e tão distantes. Este espetáculo é um grande elogio à LP, mas também um processo de consciência, porque foi com ela que se colonizou e matou outras línguas indígenas, e há palavras, expressões associadas a processos históricos de violência. O que perguntamos também é porque não considerar todas as variantes da LP?
Em que sentido?
Há variantes prestigiadas, outras que não correspondem ao padrão, mais estigmatizadas. E será que o preconceito linguístico não é social e económico? Quem define o que é o bom português? No espetáculo estão também presentes aspetos linguísticos, filosóficos.
Como?
Vamos perguntar: o que é uma língua? Como surgem as palavras, como aparecem e desaparecem, ganham novos significados? É a língua que constrói o mundo? E também como podemos atualizar a LP.
Refletindo, por exemplo, as questões de género?
É um espetáculo com um movimento ativista muito forte em vários sentidos. Refletimos sobre o binarismo e a necessidade de elasticidade para ser mais diversa e inclusiva. E todas as sessões têm audiodescrição, legendagem em português e interpretação gestual. A língua é uma ferramenta de esperança, porque serve para comunicar, para o encontro com o Outro. Mas é preciso reconhecer que tem de ser atualizada. Há um momento de Outra Língua em que se diz “a língua está na boca do povo”. Portanto, está na nossa boca podermos atualizá-la, revolucioná-la.