O nome do rio, Alva, e a cor negra do solo não podiam compor um contraste maior. Se cair uma forte chuvada nos próximos dias (o céu azul, para já, não promete nada disso…) há consequências graves quase certas. A represa que ali existe funciona como captação de água para a população de três concelhos: Seia, Gouveia e Oliveira do Hospital. E depois dos incêndios, o desaparecimento de toda a vegetação rasteira e a ação do fogo provocando a mineralização de matéria orgânica faz com que os terrenos se tornem mais hidrofóbicos e não consigam absorver a água que, inevitavelmente, escorrerá no sentido das linhas de água, transportando detritos e mesmo material poluente resultante da transformação física e química operada pelas altas temperaturas.
A escolha desta encosta da Mata do Desterro para a ação de “estabilização dos solos” promovida pela Câmara Municipal de Seia neste sábado, 18 de novembro, quase primaveril, “não foi aleatória”, explica o biólogo José Conde aos voluntários, cerca de uma dezena, que se disponibilizaram a ajudar. À tarde haverá outra sessão com outros voluntários (no total serão quase 30). A ideia é contribuir, com a ajuda de todos, para estabilizar o solo naquela zona sensível, na margem direita do Alva. Como? O trabalho é duro. Primeiro corta-se a vegetação arbustiva ardida (giestas e pequenos pinheiros), depois usa-se esse mesmo material, alinhado, para criar barreiras, encosta abaixo. Para facilitar a retenção e diminuir a erosão junta-se palha a essas “cordas” de arbustos ardidos. Não demora muito até que, coordenados com funcionários municipais especializados (“Não é preciso ir para Coimbra estudar para fazer isto…”, graceja um deles, animando os voluntários), todos tenham uma missão a cumprir, entre escorregadelas na terra seca e escura da encosta. Ao fim de uma hora de trabalho já se começam a ver a barreiras paralelas, misturando o negro dos pequenos troncos e o dourado da palha.
Há gente que está ali e veio de Lisba passar o fim-de-semana à serra só com o objetivo de ajudar no que for preciso. A maioria é da região. Margarida Jerónimo está agora a serrar ramos e a transportar palha mas o seu trabalho no último mês tem lidado com os traumas pós-incêndio de outra maneira. É psicóloga (técnica superior da divisão socio-cultural) na Câmara Municipal de Seia e sabe bem como podem ser desastrosas as consequências de uma tragédia tão incontrolável como o incêndio de 15 de outubro nas vidas das pessoas. Agora, está focada no processo de superação (nos casos mais graves só com a juda de psicoterapeutas e psiquiatras) e alerta para um problema: a “revitimização”. “As pessoas foram vítimas de uma catastrófe, perdendo bens, sentindo impotência e, nalguns casos, até mesmo sentimentos de culpabilidade. Quando a comunicação social insiste muito em voltar às imagens e acontecimentos do dia da tragédia, são vítimas outra vez, e isso tem consequências negativas e dificulta a recuperação”. E conclui: “Temos que deixar de ver só as cinzas”. Iniciativas como esta, em que todos dão uma ajuda, orientados por quem mais sabe, apontam o caminho do futuro.
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