No gabinete quase vazio, sobressai uma grande ilustração da cidade do Porto, pendurada na parede branca. Maria João Amorim, 38 anos, já saiu da sua terra há mais de uma década, mas não perde o sotaque nem as saudades.
Ainda em fase de instalação no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, a cientista está satisfeita por regressar à instituição que a acolheu durante o doutoramento e a um local onde foi feliz. Depois de uma longa temporada na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, decidiu ir contra todos os ventos e marés, e, em plena crise, trazer para Portugal “os frutos do seu trabalho”.
Maria João Amorim sempre quis ser médica, até que, no final do secundário, assistiu a uma aula de anatomia e tirou daí a ideia. Encaminhou-se, então, para a bioquímica, passando a estudar os vírus. “São fascinantes!”, diz, com ar de uma miúda a falar de um brinquedo novo.
Os bioquímicos gostam de miudezas, de perceber o que acontece dentro dos pequenos organismos, no interior das células. Ela escolheu como alvo o vírus da gripe, uma criatura que nos infeta todos os anos e que transforma a sua fraqueza a incapacidade de ter uma vida autónoma numa vantagem: usam a maquinaria das nossas células, tornando mais difícil o desenvolvimento de medicamentos que os combatam.
“Ainda há muito a fazer neste campo”, sublinha a cientista, que tem feito a sua parte. Num trabalho desenvolvido em colaboração com um estudante chinês, a virologista portuguesa identificou uma nova forma de atacar o influenza, com uma boa eficácia nas estirpes sensíveis à molécula, como é o caso do mais famoso agente da gripe das aves, o H5N1 e sem grandes efeitos secundários.
Quando acabar a fase de instalação, planeia inscrever-se num curso de joalharia, voltando a dedicar algumas horas do seu dia ao hóbi por que se interessou em Inglaterra, quando ali realizou o seu doutoramento, e que lhe permitiu desenhar e produzir as alianças do seu casamento.
De resto não lhe falta nada. “Os laboratórios do IGC estão ao nível dos melhores de Cambridge.” Só tem pena de uma coisa: não conseguir ir de bicicleta para o trabalho.
BI
Idade: 38 anos
Atividade: Licenciada em Bioquímica, fez o doutoramento e o pós-doutoramento na área dos vírus. No Instituto Gulbenkian de Ciência procura formas de combater o influenza.
A escolha de… António Coutinho
Diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência durante 14 anos, abdicou este ano, mantendo-se como membro do comité de gestão.
“A Maria João Amorim é muito boa cientista e auguro-lhe uma carreira brilhante. Há outros comparáveis em qualidade e promessa, mas escolhi esta porque há muito poucos virologistas em Portugal. A ser conhecida, poderia ser um bom modelo para atrair mais virologistas para a ciência biomédica”