Os sete cavalos estão muito inquietos. São 4 e meia da tarde e sopra uma brisa na Vermelha, concelho do Cadaval, mas o fresco não se faz sentir perto da pequena igreja de Espírito Santo. Em cima de um cavalo branco, um menino com caracois de anjinho parece nem se aperceber da agitação dos outros cavalos. O seu,seguro pela mão do pai, está calmo.
É preciso descer a estreita rua que dá para a estrada principal, para os bichos se acalmarem. A calçada está polida e os cascos dos cavalos escorregam como se fossem senhoras de salto alto.Quando chegam ao cruzamento com a estrada principal, aquela que a procissão do Corpo de Deus há-de percorrer, os cavalos continuam muito agitados. “Se for a égua, não posso fazer nada”, diz a jovem adolescente de cabelo apanhado, vestida de bata vermelha como todos os outros cavaleiros.
Por causa da égua ou não, o cavalo branco está de cabeça perdida. Só anda para trás, e não vale a pena o homem que o monta picar-lhe o dorso com as esporas. Ele não sai dali, ponto final. E sem ele sair dali é impossível a procissão arrancar.
A Bandinha do Oeste, que tinha feito um peditório pelas ruas logo de manhã, não pode continuar eternamente a tocar à porta da igreja, a fila dos três anjinhos desalinhados está no cotovelo do cruzamento, o andor preso na rua estreita que desce para a estrada principal.
A situação exige intervenção divina. Determinado, o acólito mais alto mas ainda um pouco imberbe desce decidido e pega na rédea do cavalo branco. Não vais a bem, vais a mal, terá pensado. E puxa o bicho, para mete-lo na ordem e ao caminho.
Mas os cavalos da Vermelha não obedecem aos desígnios de Deus. O animal anda de lado, relincha, encosta-se ao acólito,que foge. O cavalo só anda de lado, e nem uma motinha parada o impede de fazer aquilo que ele quer. A mota vai ao chão. Felizmente há um muro e o cavalo pára, para descanso de quem assiste à cena.O cavalo há-de ceder, não ao padre, mas ao lindíssimo cavalo cor de caramelo que sobe a estrada para o vir buscar. A contragosto, é certo, mas cede.
Desfila-se então ao som da banda, com cuidado para não pisar a bosta dos cavalos. Quem vem perto do andor não sente tanto o cheiro, mas não tem o nariz mais aliviado: o odor do incenso do turíbulo é enjoativo.
O resto da procissão não tem história. Mas acrescente-se que terminou com um bater de sino puxado a corda.


