O que leva um elegante homem, nascido em Portugal, refugiado com a família na América do Sul, depois emigrado na Bélgica, a regressar a Portugal? O azeite. Não se pode dizer que João Filipe Passanha, 47 anos, tenha tomado a decisão de ânimo
leve – de um olival plantado em 2005 em Ferreira do Alentejo, extraiu um azeite considerado o melhor mundo.
O apodo foi-lhe atribuído em 2010, num concurso organizado pelo Comité Oleícola Internacional. À terceira campanha, um novato nas lides da agricultura alentejana arrebatava, assim, o mais cobiçado prémio do mundo dos azeites, onde italianos, espanhóis e, nos últimos anos, portugueses, dão cartas. João, arquiteto, exerceu a sua profissão na Bélgica, além de ter participado num projeto criativo na área da alta-costura. Regressou há sete anos a Portugal, às terras alentejanas da família, então abandonadas. A propriedade original remonta ao século XVII, foi alargada pelas gerações vindouras e sujeita às campanhas do trigo dos anos 1940, quando Salazar pretendeu transformar o Alentejo no celeiro de Portugal. Tem uma casa apalaçada, refrescada por um espelho de água, um jardim, nutrido por canais de água que circula por gravidade, e 3 mil metros quadrados de superfície coberta, a maior parte constituída por antigas casas dos trabalhadores rurais.
Ocupada no pós-25 de Abril, a Quinta de São Vicente foi então reduzida à mínima expressão produtiva, assegura João. Recuperada tardiamente por uma família que procurou no estrangeiro refúgio para as convulsões revolucionárias, estava na altura de a reconverter. “Era um desafio, também para a própria família”, sintetiza João Filipe. Numa propriedade indivisa por vontade do antepassado que a legou, o projeto passou por reunir vontades, recursos dos herdeiros e crédito. Desde 2005, exigiu um investimento de 23 milhões de euros – no olival e num moderno e exclusivo lagar. “Muitos dos nossos clientes querem primeiro conhecer as instalações e a quinta antes de comprar o azeite”, justifica João. “O terroir é muito importante.”
Dele, do terroir, não se pode queixar. Não é só a casa chique, mas também o voo rasante dos patos, que se evadem das charcas da Quinta de São Vicente e elegantemente bordejam o olival, que faz a diferença nesta terra abrasada por um estio precoce. “Se alinhássemos todas as oliveiras da quinta numa única fila, chegavam a Bordeaux”, assegura, sorridente.
As árvores são das variedades arbequina, cobrançosa e picual, a mistura que João, um apaixonado por gastronomia, desejava. “A arbequina tem perfume a folha de tomateiro e a cobrançosa a amêndoa.” A composição do azeite final, que chega ao mercado com as marcas Quinta de São Vicente e Dom Diogo, é da sua responsabilidade – é empresário e também enólogo de azeites.
Situada na região dos Barros de Beja, em solos agrícolas de classe A, a melhor, capazes de quase tudo produzir, a quinta é agora ameaçada por uma frente de betão. Dá pelo nome de IP8 a autoestrada que ligará Sines a Beja. Passa a norte de Ferreira, atravessando terras recém-ocupadas por olivais intensivos, como os da empresa portuguesa Sovena, o segundo principal distribuidor de azeite a nível mundial, que fez de Ferreira do Alentejo o núcleo do seu projeto de constituir um olival de 10 mil hectares.
MOSQUETEIROS DO OLIVAL
Na estrada para Ferreira do Alentejo são visíveis montes de areia e de brita para pavimentar mais esta parceria entre Estado e privados, um dos sorvedouros que contribuíram para a nossa recente bancarrota. O trajeto está pejado de “parques de máquinas” que exigem redobrada atenção aos condutores que se servem da velha estrada nacional. Parte do traçado da nova via corta ou sobrepõe-se à rede de condutas que aqui trazem a água do Alqueva, essencial para a equação agrícola resultar no Alentejo.
“Não consigo imaginar a reação dos clientes quando virem o olival cortado por uma autoestrada”, reclama João Filipe. Os franceses, belgas, alemães, coreanos, norte-americanos e canadianos, alguns dos clientes responsáveis por um volume de exportação superior a 80%, pagam, nas lojas, entre 12 e 40 euros por litro, embalado em exclusivas garrafas escurecidas. “Dez quilómetros a sul, as terras são pobres e não produzem nada – porque não a fazem passar por lá?”, questiona.
Os contactos com os ministérios da Agricultura, Ambiente, Economia e com a Estradas de Portugal redundaram, até agora, em nada. As ofertas de indemnização por expropriação situam–se em 29 mil euros por hectare, o que João considera abaixo do valor justo. “Há empresas espanholas afetadas que exigem 65 mil euros”, avança. A Quinta de São Vicente entregou o caso a advogados, para evitar a expropriação por aqueles valores.
Antes de plantar o seu olival em mil hectares de terrenos de Baleizão, uma freguesia do concelho de Beja, também José António Castelo Branco, 60 anos, teve de lutar. Primeiro contra o Estado, que lhe negou a concretização de um projeto de captação de água no Guadiana. Depois, contra a falta de técnicos com conhecimentos de olivicultura, que teve de ir buscar a Espanha. Hoje, realizados os investimentos que permitiram trazer água do rio até à Herdade do Paço do Conde, mantém um olival com cinco variedades – frantoio, cobrançosa, cordovil, picual e arbequina -, do qual extrai 2 mil toneladas de azeite por campanha.
Nos seus terrenos foi descoberto o famoso Tesouro de Baleizão, constituído por artefactos de há 3 mil anos, em ouro. Agora, a riqueza sai das árvores, a mais importante cultura nas propriedades dos irmãos Castelo Branco que, em conjunto, possuem cerca de 3 mil hectares no Baixo Alentejo. “O olival está muito bem adaptado ao nosso clima”, garante Castelo Branco, cujas terras ocupadas após o 25 de Abril foram recuperadas nos anos de 1980 e reconvertidas a olival a partir de 1998. “Como também temos custos de produção baixos, conseguimos qualidade a bom preço.”
Recém-chegado dos EUA, presenciou ali a venda de azeite à medida. “Os clientes chegam, provam e mandam encher a garrafa a partir de um depósito de azeite”, explica. Quarenta por cento da produção é vendida para os EUA, sendo a restante engarrafada ou vendida a granel. “Há um crescente interesse e procura pelo azeite, que é visto como um produto saudável”, diz, enquanto mostra o olival retilíneo e prenhe de perdizes e lebres.
TRADICIONAL MAS COM SUCESSO
Se a exportação é o motor do sucesso de João Passanha e de José Castelo Branco, no caso da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos foram as grandes superfícies as responsáveis pelo crescimento de 605 % registado em 2010. “Em dez anos passámos de uma produção de 12 mil toneladas de azeitona para 30 mil toneladas”, revela o gerente, Manuel Fialho, 68 anos. “E em 2020, prevemos chegar às 60 mil toneladas.”
O crescimento foi feito à custa da melhoria do olival tradicional, introduzindo técnicas modernas de gestão das culturas, como podas menos radicais e aplicação correta de químicos. Marginalmente, a plantação de novos olivais nas zonas irrigadas pelo Alqueva também contribuiu para o aumento da produção. Mas como dois terços dos 18 mil hectares, distribuídos por 1 200 associados, estão situados em espaços com restrições ambientais, a introdução de novos olivais não é possível.
Beneficiando de uma Denominação de Origem Protegida (DOP), dependente das tradicionais variedades galega, cordovil e verdeal, a produção restringe-se aos azeites virgem. São o terceiro maior nacional nesta categoria, razão pela qual têm ampliado as instalações, para receber no pico da campanha 600 toneladas diárias de azeitona. Das gigantescas cubas de armazenamento partem condutas para a sala de embalamento, responsável por fornecer diariamente todas as grandes cadeias de distribuição nacionais. “A grande distribuição foi essencial para ganharmos dimensão e escala”, defende Manuel Fialho, um engenheiro eletrotécnico que depois de 12 anos em São Paulo regressou à terra de origem e há duas décadas dirige a cooperativa. Corre agora uma brisa nas terras estremenhas de Moura.
A inusitada canícula de abril passou. O vento arrasta, lesto, as flores das oliveiras. A campanha promete – no final do ano, petróleo verde correrá de novo nos lagares do Alentejo.