O desconfinamento trouxe de volta alguma normalidade aos nossos dias mas já se percebeu que uma das bases estruturais da sociedade, o trabalho, e o local onde o desempenhamos, irão forçosamente sofrer alterações. À exceção dos nómadas digitais, trabalhar em casa era uma experiência ocasional para a maioria das pessoas e, antes de 2020, poucos imaginaram fazê-lo dia após dia durante longos períodos de tempo. Com muitas empresas a considerarem uma abordagem hibrida a longo prazo, assumindo o trabalho remoto como parte da sua estratégia futura, trabalhar em casa será para muitos a “nova regra” mesmo depois de a pandemia ter acabado.
Alterações comportamentais que estão já a impactar na arquitetura das casas. De acordo com a Athena Advisers – consultora imobiliária internacional que atua também nas áreas de placemaking e arquitetura – os promotores imobiliários estão a repensar ativamente os seus projetos residenciais tendo em conta a crescente procura por espaços exteriores e a necessidade de criar áreas privadas dentro de casa, não só para trabalhar mas também para fazer exercício e descansar. Procurar formas de melhorar o bem-estar físico e mental é agora uma preocupação central, através de configurações ajustadas às novas necessidades, equipamentos que ajudem a ter uma postura correta e promovam a motivação ou vegetação que traga a natureza para dentro de casa.
“Embora o espaço ao ar livre tenha sido sempre um fator muito valorizado numa propriedade, tornou-se particularmente cobiçado em 2020, pois é visto como um lugar seguro para estar com amigos e familiares fora de casa”, refere David Moura-George, diretor da Athena Advisers em Portugal, em comunicado hoje divulgado. A empresa francesa está em Portugal há cinco anos e até há bem pouco tempo trabalhava em exclusivo com promotores mas agora atua também junto dos clientes particulares.
Lembra ainda o responsável que espaços como jardins “estão a tornar-se uma das característica mais comuns no planeamento dos projetos, mesmo no centro das cidades, e os grandes terraços são uma alternativa bem-vinda nos apartamentos localizados nos pisos superiores”.
Esta tendência é confirmada pelo Idealista, o portal imobiliário, que revela que a procura por propriedades à venda em Portugal com jardim e piscina aumentou 41,1% entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020. No top das pesquisas durante o mesmo período seguem-se os imóveis com jardim (variação de 25,5%), quintas (22,6%), moradias (8,3%), tipologias T4+ (4,9%) e ainda as casas com terraço (4,3%).
No Reino Unido, a Athena Advisers observa uma tendência semelhante e, de acordo com o portal britânico de pesquisa de propriedades Rightmove, a procura por imóveis à venda com jardim aumentou 42% em maio de 2020 face ao mês homólogo e a variação foi ainda maior entre os arrendatários, com o volume de pesquisas a crescer 84% no mesmo mês.
Spa dentro de casa
Os confinamentos sucessivos um pouco por todo o mundo desencadearam, assim, novas tendências que valorizam o conforto dentro de casa. E para quem tem capacidade financeira para o fazer, começam agora a surgir no mercado habitações já moldadas ao novo modo “anti-Covid”.
“Nesta nova realidade, um local dentro de casa para relaxar e descontrair passou a ser inegociável. Escritórios e espaços espirituais são altamente procurados no design das novas casas, porque as necessidades de quem procura uma propriedade são hoje muito diferentes”, diz, por seu turno, Roman Carel, sócio fundador da Athena Advisers, lembrando que muitas grandes empresas estão já a redefinir a sua forma de trabalhar.
É, por exemplo, o caso da Google que já anunciou que irá transitar para um modelo híbrido a partir de setembro deste ano, com o seu CEO, Sundar Pichai, a afirmar que 20% dos colaboradores irá trabalhar a partir de casa de forma permanente. Também a KPMG já se manifestou dizendo que a cada duas semanas os seus colaboradores trabalharão no escritório até 4 dias.
Uma mudança de paradigma que está já a ter consequências na forma como se olha para a habitação.
“Onde posso refugiar-me dos elementos externos? Que tipo de casa pode ser um refúgio neste mundo que estamos a vivenciar? Que tipo de layout pode proporcionar proteção à minha família? Que tipo de ativo pode ser um recurso financeiro em situações de crise económica? Estas são algumas das questões às quais procuramos dar resposta para anteciparmos tendências e ajudarmos os promotores imobiliários a criar valor no desenvolvimento dos seus projetos”, explica ainda Roman Carel.
De acordo com a Athena Advisers, há cada vez mais arquitetos a integrarem escritórios domésticos nos seus projetos residenciais, criando um espaço tranquilo e próprio para trabalhar. Nos casos em que as casas não podem integrar espaços adicionais, os especialistas da Athena referem que os designers de interiores estão a ajudar a remodelar e reconfigurar o espaço de modo a criar “recantos de trabalho” confortáveis. O objetivo é existir uma demarcação clara entre o local de trabalho e o de relaxamento, permitindo desligar quando chega a hora de “ir para casa”.
O fundador da Athena dá ainda o exemplo de um promotor imobiliário do segmento prime nos Alpes Franceses (onde a Athena Advisers se especializou em 19 anos de presença neste mercado), que planeou originalmente um spa para uso comum de todos os residentes num novo empreendimento. No entanto, após consultar a equipa da Athena Advisers, que destacou a crescente tendência de espaços de bem-estar individual, o promotor está a criar spas privados e instalações de bem-estar em cada uma das propriedades, permitindo que os residentes disponham da sua própria sauna e jacuzzi quando regressam a casa após um dia intenso na montanha. Além de promover a privacidade, estes equipamentos permitem aos proprietários continuar a ter acesso a espaços de bem-estar no caso de se registarem futuras situações de confinamento durante as quais os ginásios e os spas são obrigados a encerrar.
Roman Carel conclui: “Na nossa opinião o trabalho foi digitalmente democratizado e aceite e, em resultado disso, o propósito do escritório também se alterou para se assumir como um templo da cultura empresarial e um retiro corporativo. O conceito ‘work from home and surf from the office’ irá estar em alta ao longo das próximas décadas em Portugal.”