Beatriz Bubio, CEO da Remax Portugal, está há mais de uma década à frente do maior grupo imobiliário de Portugal, um universo com mais de 12 mil colaboradores que, apesar da pandemia, conseguiu o ‘feito’ de transformar o terceiro trimestre de 2020 como o melhor de sempre que a rede registou nos seus 20 anos de operação em Portugal – em apenas três meses foram transacionados mais de 17 mil imóveis, num volume global de 1,23 mil milhões de euros. Espanhola, licenciada em Economia e Gestão pela Universidade de Saragoça, a empresária está em Portugal há 27 anos e passou pela direção de um dos departamentos do grupo Parfum & Beauté e também no grupo Jerónimo Martins onde dirigiu a divisão de compras da insígnia Recheio antes de enveredar pela área imobiliária. Em entrevista, a responsável partilha a sua visão do mercado para 2021, um dos mais desafiantes dos últimos anos.
Antes da pandemia, os preços das casas em certas zonas estavam muito ‘aquecidos’ e quando esta começou, muito se falou do impacto que poderia ter no valor dos imóveis. Porém, em 2020, poucas oscilações ocorreram no mercado. Com o agravar da crise, vão os preços baixar em 2021?
Primeiro, é preciso dizer que o mercado tem dinheiro. E quando falo em mercado falo no crédito concedido pelos bancos aos particulares e empresas. Antes do surto de Covid-19 eram cerca de 950 milhões, mais ou menos, a serem emprestados, em média, por mês. Durante os primeiros meses da pandemia desceu para os 830 milhões e depois em julho voltou a recuperar para os 930 milhões…
Entre janeiro e outubro de 2020, em plena pandemia, a banca emprestou mais de nove mil milhões de euros em crédito para a compra de casa, o valor mais alto da década, segundo dados do Banco de Portugal...
Exato. Por isso o mercado tem dinheiro e isso permite que se continue a emprestar aos particulares e empresas e, portanto, continuamos a fazer vendas e a escriturar. Já em abril, as pessoas estavam a perguntar se os preços iriam descer. Não desceram. Isto porque o mercado, no seu todo, não tem oferta suficiente para essa procura. Há muito pouco produto novo, também, havia e há, muita construção a ser realizada, mas devido aos problemas com o Covid-19, o despacho das licenças de utilização está muito demorado. Isso é uma realidade de que as pessoas não falam. Nós temos prédios inteiros para serem escriturados à espera da emissão da Licença de Utilização desde o mês de abril do ano passado… E o problema é que temos construtores que vão ficar em dificuldades quando na realidade poderiam continuar a construir se já tivessem a escritura feita.
Quanto ao desemprego, sim, aumentou muito e vai continuar a aumentar, desgraçadamente, nos próximos tempos, como sabemos. Mas o facto é que começou a aumentar desde setembro mas ainda não atingiu o pico. Daqui a três meses, se a economia não começar a recuperar, é que vai ser bem mais problemático.
Ainda assim, qual é a razão para que o mercado imobiliário não tenha começado já a cair? Primeiro, o mercado português é pequeno. Logo, é mais controlado. Depois, os estrangeiros continuam a comprar aqui casas porque Portugal é um país tranquilo e acolhedor, com bom clima, lindas praias, sem esquecer a gastronomia, claro. E até está a atrair novas nacionalidades como o cliente norte-americano. Pessoas com fortunas e que estão a comprar casa para se instalar aqui. Por isso têm surgido novas escolas americanas, ou escolas de inglês, mas mais orientadas para o contexto americano.
A que se deve esse fenómeno?
Portugal está na moda e acho que é de aproveitar. Muitas cidades passaram antes pela moda imobiliária como Berlim, Espanha, Barcelona e Madrid, todas também já lá estiveram. Agora é Portugal e temos que aproveitar. Na parte dos políticos, têm é que criar leis que atraiam este tipo de investidores, que têm muito dinheiro, compram casas de elevado valor e acabam por atrair dinheiro para a economia portuguesa.
Porém, o Governo vai colocar em 2021 um travão na atribuição dos Vistos Gold nas zonas mais procuradas por este tipo de clientes. Isso poderá afastar esse tipo de investidor?
O americano nem tanto, porque é um caso diferente. Têm muito dinheiro e não tem tanta necessidade de ter passaporte europeu. Mas eu acho um erro acabar com aquilo que foi praticamente o que nos tirou da anterior crise. Nessa altura, Portugal trabalhou bem para que o dinheiro viesse para cá e não ficasse em Espanha ou noutro país da União Europeia e a verdade é que esse dinheiro ajudou-nos muito a sair da crise .
Ainda em relação à questão da lei da oferta e da procura de imóveis, significa então que a tendência é para que os preços no imobiliário se mantenham em 2021, é isso?
Com a subida do desemprego haverá casas que vão entrar no mercado, mas essas não constituem o tipo de produto procurado pelo tipo de clientes estrangeiros, e em zonas mais centrais, que estávamos a falar há pouco. Esses imóveis que virão, serão mais casas para quem cá vive continuamente, apartamentos T2 e T3, e sim, haverá pessoas com necessidade de venda mais rápida e tenderão a apresentar preços mais baixos… Aliás, já há algumas zonas do país onde os preços começaram a descer um pouco. Claro que temos a situação de Lisboa, que é a capital, e aqui pontualmente poderá descer mas isso serão pessoas com necessidade de venda mais rápida do imóvel.
O período pós-moratórias em 2021 associado ao agravamento da situação económica de muitas famílias poderá ‘empurrar’ mais imóveis para o mercado de venda?
As moratórias permitem que as pessoas deixem de pagar o capital dos juros, o que representa, pelo menos, uns 30% do rendimento disponível. Imaginemos um casal em que cada um ganha um ordenado de 1000€ e deixa de pagar a prestação. Deixa, enfim, é uma maneira de dizer porque no fim vão ter que pagar na mesma esse dinheiro, claro… Mas imaginemos, estamos a falar de 300 euros cada uma das pessoas, ou seja, o casal passa a ter 600 a 800 euros disponíveis para gastar. Em teoria, as moratórias é como se fosse uma poupança para fazer face a imprevistos associados aos problemas da pandemia, mas a verdade é que o ser humano custa a aprender isto e em muitos casos as pessoas estão a gastar esse dinheiro… Sabemos que durante o confinamento houve muitos negócios que dispararam, venderam-se mais eletrodomésticos, aparelhos de televisão maiores, reforçou-se a garrafeira, comprou-se comida fora… Em muitos casos, está a consumir-se a moratória e logo a adensar-se o endividamento. Como prolongaram as moratórias até setembro de 2021 (algumas apenas até julho), acho que devia começar-se a fazer algo em relação a isso porque, senão, em setembro deste ano, vai haver um impacto muito grande na atividade financeira. E aí, sim, a consequência para muitas pessoas será ter de colocar as suas casas à venda no mercado para tentarem reequilibrar a sua situação financeira. Nessa altura poderá ocorrer um excesso de oferta. Se eu estivesse a liderar um banco, atuaria antes de isso acontecer…
Uma das empresas associadas da Remax Portugal, a Maxfinance trabalha diretamente com os bancos. Neste momento, os bancos não estão então a receber mais imóveis por incumprimento de pagamento, certo?
Não, não há, eu trabalho directamente com essa área. Um ou outro imóvel, mas nada de significativo, nada que se compare com o que aconteceu em 2011, que eram milhares de imóveis.
Outra tendência trazida pela pandemia foi a necessidade das pessoas terem espaço exterior nas suas casas. No universo Remax registaram um reforço das vendas nas localidades mais periféricas, fora dos grandes centros, em zonas mais rurais?
Nesse aspeto houve uma mudança radicalmente. As pessoas ficaram confinadas e aperceberam-se de que precisavam de fazer melhorias nas casas ou até que precisavam de algo diferente para viver. Por isso não é de estranhar que tenha aumentado brutalmente a procura de moradias ou casas com varandas grandes, terraços e jardins. Estamos a falar de cerca de 30%. Inclusive aumentou a procura por terrenos pequenos, de 250 ou 300 m2 que começaram a ser vendidos também, quando antes era muito mais raro acontecer.
Mas essas casas mais procuradas estão situadas nas periferias de Lisboa ou do Porto ou também notam esse movimento em outras zonas do país, mesmo no campo?
Tudo o que rodeia Lisboa está a ter muita procura. É muito abrangente, tanto pode ser em Torres Vedras, Montijo ou em várias outras zonas na Margem Sul. Houve muitas pessoas que reprogramaram a sua forma de trabalhar. Aliás isso já se nota na falta de congestionamento do trânsito. Como nem todas as empresas regressaram ao trabalho presencial, há ainda bastante gente a trabalhar a partir de casa.
Como tem sido liderar o maior grupo imobiliário do país com mais de 12 mil pessoas num momento singular como este?
Nunca me pesaram tanto os ombros, a carga emocional é grande, mas há que continuar a lutar porque é necessário. Importante é estar junto das pessoas neste momento. Há dias em que se calhar eu não dou tudo o que elas querem, mas pelo menos estou presente. Ser líder não é estar por cima de todos… Esta situação de pandemia deixou ainda mais claro que ser líder é mesmo estar com toda a gente e arregaçar as mangas.
Em Portugal esteve à frente da direção de um dos departamentos do grupo Parfum & Beauté e mais tarde num dos cargos de direção do grupo Jerónimo Martins até chegar à Remax Portugal, onde se tornou CEO desde 2009. Como avalia a questão da igualdade de género em Portugal? Foi difícil afirmar-se no panorama empresarial?
Exatamente igual ao percurso de tantas mulheres… Cheguei a ter de ouvir absolutas aberrações por parte de homens que chegavam a dizer-me na cara – “eu consigo não me reúno”. E eu respondia – “então não reúne com ninguém”!.
Mas, enfim, essa questão, em geral, e apesar de tudo, está cada vez está melhor. O que eu não suporto, onde quer que vá, é a diferença salarial. Como é possível ainda subsistir isso?! A que propósito pode ser aceitável uma mulher ganhar menos do que o homem? Então eu, como CEO de uma empresa, incentivo a que isso não aconteça. Na minha empresa ganha mais quem trabalha melhor e trabalha mais, tanto faz ser homem ou mulher. E é verdade, eu tive que trabalhar mais e demonstrar muito mais por ser mulher, isso sofri na pele.
Já lhe devem ter feito esta pergunta milhares de vezes, mas qual é a fórmula para ser mãe, esposa e empresária de sucesso, liderando uma equipa com mais de 10 mil colaboradores?
Com uma boa gestão do tempo. Não perco tempo… As reuniões, por exemplo, são diretas, assertivas e acabou. E depois, tenho uma equipa que é alucinantemente boa, a chave está mesmo em delegar. Isso é algo que as pessoas têm de aprender a fazer: não controlar tudo. Primeiro porque quando controlas tudo ficas muito nervosa porque queres que tudo aconteça conforme tens na cabeça e muitas vezes quando libertas o controle é quando te apercebes que as coisas funcionam e vês que existem muitas pessoas que são muito capazes de ir para a frente e que o fazem mesmo muito bem!