A nutricionista Ana Carvalhas já organizou sete turmas de um programa online de 21 dias que faz com que toda a gente – 100% de sucesso – perca peso. Mas, segundo a especialista de Coimbra, 58 anos, esse é apenas o efeito mais visível, porque depois de se adotar essa forma de comer – e de respirar – a vida muda. Para melhor, claro. A teoria pode ser aprendida no livro Reset Hormonal (Gradiva, 279 págs., €16,50) e ficar com umas luzes na entrevista que se segue.
Ao ouvir os testemunhos de quem fez o reset hormonal, parece que descobriu o segredo para emagrecer. É mesmo assim?
O método é inovador, de facto. O reset hormonal baseia-se na reprogramação das hormonas que estão implicadas na perda de peso, a insulina e o cortisol. Esta teoria, do modelo hormonal do tratamento da obesidade, foi publicada em 2013, mas não tem sido muito implementada, não sei porquê. Desde essa altura, comecei a utilizá-lo nas minhas consultas, depois de ler o que o físico norte-americano Gary Taubes publicou sobre o assunto.
Porque largou o antigo, que se baseava no balanço energético?
Nas minhas consultas, havia pessoas que perdiam peso com esse modelo anterior, que aprendi na faculdade, em que se está permanentemente a tentar alcançar o balanço energético negativo para conseguirmos emagrecer – temos de consumir menos calorias do que aquelas que gastamos nas nossas atividades físicas. Mas as pessoas chegavam a uma determinada altura, depois de alterarem a quantidade do que comiam, e já não conseguiam perder mais peso. Para mim, isso era muito intrigante.
Porque é que acontecia, afinal?
Depois de analisar o método de balanço energético, cheguei à conclusão de que as calorias não são todas iguais e não podemos reduzir os alimentos apenas a essa medida. Para se ter uma ideia, um grama de gordura equivale a nove calorias, enquanto que um grama de açúcar são apenas quatro. Isto dá jeito à indústria alimentar, porque permite fazer rótulos muito aliciantes, anunciando produtos baixos em gordura, e continuar a alimentar o vício dos doces.
O nutri-score também joga com essa contagem de calorias, não é?
O nutri-score é a coisa mais enganadora que está atualmente no mercado, porque diaboliza as gorduras. Do meu ponto de vista, as gorduras não são o vilão, nem são todas iguais. Fazem-nos falta, primeiro porque são boas fornecedoras de vitaminas lipossolúveis, depois porque nos ajudam a ficar saciados. As pessoas estão a comer tudo magro e estão cada vez mais gordas – há aqui algo que está mal contado.
Qual é o fator distintivo do seu programa?
O foco está mais na questão do açúcar, fazendo tudo para evitar os picos da glicose e de insulina. De cada vez que comemos uma refeição rica em alimentos que se transformam em glicose, como pão, arroz, massa ou batata, produzimos muita insulina, e enquanto ela andar alta no nosso sangue não conseguimos emagrecer. Por isso, as pessoas desanimam, pois fazem sacrifícios e não veem grandes resultados. Em 2016, escrevi um livro, Dieta para Sedentários, que já se baseava neste modelo hormonal da obesidade.
Qual a diferença desse livro para o que editou agora?
Tem o mesmo modelo hormonal do tratamento do excesso de peso e da obesidade, mas a partir de tal programa online de emagrecimento. E também acrescentei mais receitas – dou mais de 80 hipóteses de refeições saudáveis, que faço cá em casa, com base no reset hormonal.
A ideia de se ter de comer de três em três horas está desatualizada?
Defendo que devíamos fazer apenas três refeições por dia: pequeno-almoço, almoço e jantar. O nosso corpo é formado por milhões de células. Mas imaginemo-lo como sendo apenas uma que só depende de nós para receber os melhores nutrientes. Se estivermos sempre a consumir alimentos ultraprocessados, cheios de nutrientes desinteressantes ou a comer de três em três horas, estaremos a causar um stresse metabólico à célula. Primeiro, porque ela não está a receber os nutrientes certos. Segundo, porque estamos constantemente a forçá-la a metabolizar alimentos.
A que se refere, quando fala em refeição completa?
Nas três principais refeições deveremos ter alimentos com proteínas, gorduras naturalmente presentes nos alimentos e hidratos de carbono de qualidade, aqueles que têm mais fibras.
Os integrais?
Devemos preferir os mais integrais, por terem muito mais fibras e não serem só amido, que é o que acontece com o pão branco, o arroz e a batata. Devemos trocá-los por legumes como cenoura, curgete, brócolos, couve-flor… Estes alimentos também têm algum amido, mas com muito mais fibras e outros nutrientes que são fitoquímicos naturalmente presentes nos alimentos de origem vegetal.
A alimentação saudável deve ser então de base vegetal?
Sim, a que depois acrescentamos proteína. Também tenho recomendado às pessoas para tentarem jantar mais cedo. O que mais ouvi ao longo destes anos, como nutricionista, é que o final do dia se torna na hora pior, quando começa aquele “comer sem controlo” até ao jantar. Comer mais cedo, quando chegamos a casa, nesta chamada hora do lobo, significa escolher os alimentos certos.
Quais são os alimentos certos?
Um bom prato de sopa de legumes. E depois comer então a proteína – peixe, carne, ovos ou tofu. No meu livro, apresento muitas formas de cozinhar legumes para fazer o acompanhamento da proteína.
O seu programa é de 21 dias, mas afinal é para sempre…
O objetivo do programa é adotar o método. Não se trata de uma dieta, mas de uma nova abordagem a um modo de alimentar, qualquer que seja a circunstância. Apesar de muitas pessoas comerem fora, conseguem fazer boas opções porque estão a perceber aquilo que está a acontecer. Por oposição, quando falamos em calorias, é um assunto muito vago. Perder peso é só um dos benefícios. Até antes de acabarem as três semanas, as pessoas percebem que o corpo começa a dar sinais de que está a funcionar melhor: sentem mais energia, têm menos fome e menos compulsão alimentar. Tudo resultado de baixarmos os picos da glicose e da produção de insulina.
Quais são as manifestações mais evidentes desse bem-estar?
Depois de se entrar neste programa, começa-se a sentir menos inchaço, a sentir mais energia – é um dos efeitos que as pessoas mais falam. Quanto mais insulina produzimos, mais exaustos nos sentimos. E o sono também melhora.
Como se melhora o sono?
Além da insulina, também entra aqui a questão do cortisol, a hormona do stresse. Quando baixamos as curvas destas hormonas, o corpo fica mais tranquilo, assim como o sistema nervoso, e conseguimos ter um sono de melhor qualidade.
Também pensou num reset flash para quando as pessoas fazem muitas asneiras. Admite que não se consiga cumprir sempre com o programa?
Existem fins de semana gastronómicos, férias, Natal… Nunca disse a ninguém para fazer doces sem açúcar, por exemplo. Nessas épocas de festa, temos de comer as receitas tradicionais e estarmos em família. Mas, se aparecerem mais do que três quilos, há que parar, fazer novo reset, para regressar à linha. A perda de peso é importante, mas a manutenção ainda é mais.
Então, o que devemos fazer a seguir a esses dias de festa?
Podemos fazer um reset de três dias, reprogramando novamente o nosso organismo, através do jejum intermitente, ingerindo alimentos líquidos sem açúcar ou corantes. Porque o objetivo aqui é tentar zerar, permitir às nossas células a desintoxicação, limpeza e eliminação dos metabólitos tóxicos.
Em que consiste a comunidade que criou?
Quem faz o programa, não o quer largar. Uma pessoa entra no novo eu, sente-se bem, mas de repente começa a ser boicotada pelo ambiente – temos de estar sempre a lutar contra isto. Nesse sentido, as minhas redes sociais são o continuar do meu trabalho, pois o consultório sempre me pareceu pouco.
Organiza encontros com essa comunidade?
Até agora, fiz sete turmas e elas nunca se desfizeram. Tenho um grupo de WhatsApp para cada uma e uma comunidade que as junta todas. Marco um zoom de vez em quando, ao domingo – a partir de 2025 vou fazer com mais frequência. Essas reuniões terminam sempre com os exercícios respiratórios.
O exercício físico também faz parte do reset?
Embora se passe constantemente essa mensagem, de que temos de fazer muito exercício e quem não o faz é preguiçoso, o essencial para emagrecer é a alimentação. Colam-se uma série de rótulos…
O principal deles é depositar a culpa em quem é obeso?
De uma vez por todas, temos de parar de dizer que as pessoas são obesas porque são glutonas ou preguiçosas. É contraproducente: elas vão sentir-se cada vez mais frustradas e acabar a compensar com alimentos. A fome emocional é uma fome que não é fisiológica. Trata-se de uma compensação de emoções negativas.
Os estudos só apontam vantagens ao exercício físico…
É verdade. Temos de ir contrariando um bocadinho os efeitos do envelhecimento e um deles é a perda da função. Quando percebemos que temos dificuldade em apertar uns sapatos ou em nos baixarmos para apanhar qualquer coisa no chão, significa que estamos a perder função. E então temos de contrariar isso, fazendo exercício físico, especialmente os funcionais, para manter a força muscular. Há que preparar a velhice enquanto ainda somos novos – quando estamos saudáveis, somos mais felizes. É esse o lema do meu programa, porque a felicidade vem de dentro para fora.
Aconselha a que comamos alimentos reais. Penso que por oposição aos ultraprocessados, que agora estão a ser comparados com o tabaco. Acha um exagero?
De modo nenhum. Eles são produzidos pela indústria alimentar com uma série de compostos químicos que não olham à saúde dos consumidores. Tudo para que sejam agradáveis, tenham as características que favoreçam a indústria e não os consumidores. As pessoas têm pouco tempo para as suas refeições e acabam por recorrer a ultraprocessados com demasiada frequência. E isso é muito prejudicial à saúde, não só pela questão da obesidade ou do excesso de peso, mas pelo cancro e uma série de doenças que estão a aumentar nas nossas sociedades. A maioria das pessoas não repara nos rótulos, mas quando numa lista constam nomes de ingredientes que não temos na despensa significa que são ultraprocessados e, portanto, não são para consumir.
Os iogurtes são um dos piores engodos da indústria?
Ninguém vai emagrecer a consumir iogurtes magros, porque estarão cheios de açúcar ou edulcorantes. Os edulcorantes, de facto, não fazem uma subida da glicose e por isso os diabéticos podem consumi-los, porque quando picam o dedo não há impacto na glicemia. Só que, independentemente de um alimento ser adoçado com açúcar ou com adoçante, os nossos sensores na língua enviam a mensagem ao cérebro que imediatamente o identifica como um alimento doce e, por sua vez, emite mensagem ao pâncreas para começar a produzir a insulina, que interfere com a hormona do apetite e aumenta a fome.
Os refrigerantes já estão identificados como uma bebida a evitar e são até mais taxados. Essa taxa deveria alargar-se a outro tipo de alimentos?
Isso é muito difícil de avaliar. Claro que concordo com a taxa dos refrigerantes, porque quanto a esses não há dúvidas, nem sequer é um alimento. Em relação aos outros casos, pode tornar-se muito complexo de se aplicar. O que deveriam era baixar a taxa dos alimentos saudáveis, nomeadamente das frutas, dos legumes e até dos laticínios naturais.
A fruta não é para comer sem medida, pois não?
O limite são três peças por dia, por causa da frutose, um açúcar natural, metabolizado no fígado. Por exemplo, quando se consomem sumos de laranja natural, a achar-se que é um ato saudável, estamos a beber um copo que tem à volta de três ou quatro laranjas espremidas, com as fibras todas destruídas. Portanto, estamos a consumir, rapidamente, um produto que tem uma dose muito elevada de açúcar.
Jejuar é para todos?
Só excluímos quem está com circunstâncias fisiológicas especiais, como grávidas, que devem ser vigiadas, idosos, crianças e jovens. As pessoas adultas que estejam doentes, podem fazer jejum, quando acompanhados por um nutricionista. De resto, não há problema nenhum em experimentar. E 12 horas já toda a gente pratica.
Quais são os efeitos do jejum no nosso corpo?
Existe muita desinformação acerca deste assunto, mas os efeitos são variadíssimos, além da perda de peso: diminui os níveis de insulina e melhora a sua sensibilidade, o que é importante para prevenir a diabetes tipo 2, reduz a inflamação associada a várias doenças crónicas, melhora os níveis de colesterol, triglicerídeos e tensão arterial, previne doenças neurodegenerativas, promove a desintoxicação das células e a reciclagem celular num processo de autofagia, ativa a longevidade associada a restrição calórica, aumenta os níveis da hormona de crescimento que ajuda a preservar a massa magra, torna-nos mentalmente mais ativos e mais fortes.
Como se controla o cortisol, a hormona do stresse?
Com exercício físico diário e com os exercícios respiratórios, também diários. Através da respiração, a parte emocional fica mais silenciada e a parte racional ativa-se. A Ciência diz-nos que quando fazemos respirações mais profundas, acionamos o córtex pré-frontal do cérebro, a parte da razão, da tomada de decisões.
Onde aprendeu a respirar?
Tenho lido muito sobre essas questões, mas há duas pessoas fundamentais. Uma, era o meu pai, que foi anestesista e fez a tese de doutoramento sobre as mecânicas respiratórias. Fui lê-la agora e aprendi ali algumas coisas. O livro onde também aprendi muito sobre a ciência do respirar é de um médico italiano, Mike Maric. Ele faz mergulho em apneia e estudou muito essa questão do poder da respiração consciente. Trata-se de um método poderoso que está ao alcance de qualquer um, a custo zero. Também não interessará muito à indústria farmacêutica, porque consegue um efeito calmante e relaxante sem tomarmos nada.
O que pratica é respiração ou também meditação?
São exercícios respiratórios que se fazem em 11 minutos. A hora certa para os fazer depende de cada um.
O que acontece nesses 11 minutos?
O método Wim Hof, que é o que pratico, prevê três rondas, cada uma com 30 inspirações abdominais. Inspira-se pelo nariz, tentando que o ar chegue à base dos pulmões, com a barriga para fora. Depois, expira-se pela boca, devagarinho. Inspira-se outra vez e depois deita-se fora. Na trigésima vez, para-se de respirar de 30 segundos a dois minutos. Nesse momento, estamos a permitir as trocas gasosas, deixando que o oxigénio passe com mais eficácia para o sangue. Isso provoca uma descontração na musculatura do pescoço, onde sentimos mais tensão quando estamos em stresse, e saímos dos exercícios completamente relaxados.