“A quantidade de casas para atribuir versus a procura é tão díspar que só os primeiros da lista – algumas com milhares de candidatos – vão conseguir aceder às habitações sociais”

“A quantidade de casas para atribuir versus a procura é tão díspar que só os primeiros da lista – algumas com milhares de candidatos – vão conseguir aceder às habitações sociais”

A inflação e a degradação económica no orçamento das famílias têm levado a uma procura crescente de habitação camarária, um pouco por todo o País. Uma pressão que esbarra numa oferta insuficiente de soluções. Falta mais construção nova municipal, mas é também urgente mais fiscalização das situações impróprias, alerta João Carvalhosa, presidente da direção do CECODHAS.P ‒ Comité Português de Coordenação da Habitação Social.

Quais os municípios com as maiores listas de espera para atribuição de uma habitação social?
Em Portugal, a grande pressão está nas cidades maiores, Lisboa e Porto, onde toda a gente quer ter casa e nas quais quem mora quer continuar a viver. Mas também são as duas cidades que têm mais habitação social.

Quantas casas, classificadas como de habitação social, existem em todo o País?
Ninguém sabe, na realidade, quanta habitação social existe. É um trabalho que urge fazer. Nós temos um conceito de habitação social que não é igual ao dos outros países, apesar de recorrentemente existirem essas comparações. Não se pode dizer que Portugal só tem 2% a 3% de habitação social no seu parque habitacional e a Holanda tem entre 20% e 27% de casas, quando estamos a falar de modelos completamente diferentes. Para se ter uma ideia, na Holanda, o limite salarial do agregado familiar anda entre os 40 mil e os 50 mil euros. Em Portugal, obviamente, é muito mais baixo, ou seja, o universo das pessoas que podem concorrer à habitação social é completamente diferente. Estas comparações são sempre injustas.

Quais são os critérios-base para que uma pessoa possa concorrer a um imóvel?
Não há uma regra para o País – cada município faz as regras que entende e define quais são os critérios. Há municípios que exigem que as pessoas estejam lá recenseadas; outros definem que o candidato não pode ser proprietário de uma habitação em qualquer ponto do País; há outros ainda que dizem que a pessoa não pode ser proprietária de qualquer outro imóvel num raio de 100 quilómetros… Varia muito.

Quais os municípios que demoram mais tempo a atribuir casa?
Depende. A quantidade de casas que há para atribuir versus a procura é tão díspar que só os primeiros da lista – e, muitas vezes, estas listas têm milhares de candidatos, como em Lisboa – vão conseguir aceder a essas habitações. Há um grande problema: por ano, temos poucas atribuições em função do stock total. A taxa de mobilidade é reduzida. Falo de novas atribuições (não de novas casas) em função do stock total. Se tiver 100 casas e se atribuir dez e voltar a atribuir, todos os anos, dez e mais dez (porque há famílias que saíram e entraram outras), teria uma taxa de mobilidade de 10%. Ora, em Portugal, essa taxa de mobilidade é reduzidíssima, o que faz com que não haja uma circulação de pessoas. As famílias entram numa habitação social e, depois, muito dificilmente saem da casa.

Tem denunciado vários abusos.
Vou dar um exemplo, até um pouco ridículo, deste sistema e que deveria ser mudado, obviamente: apresentei uma proposta para fazer um projeto destes, já há muitos anos, e que depois esbarrou na Comissão Nacional de Proteção de Dados. Era uma coisa tão simples como as entidades que gerem a habitação social em nome da câmara poderem inserir num programa o nome dos candidatos e o programa só dizia isto: já tem casa noutro lado ou já está a candidatar-se noutro lado. Porque, na realidade, a pessoa pode candidatar-se em vários municípios e não há controlo algum sobre estas candidaturas.

Não é necessário residir no próprio município?
Há casos em que não. Aliás, na câmara de Lisboa, o atual executivo propôs que o concurso para a Renda Acessível fosse só para residentes em Lisboa, e isso foi chumbado pela oposição. Agora, imagine que a pessoa pode ter já uma casa atribuída em Oeiras, candidata-se aqui, e como não há cruzamento de dados…

Poderá haver um número significativo de imóveis nessa situação?
Ninguém sabe. Implica uma fiscalização permanente que, em muitos casos, é complicada. Por exemplo, a câmara de Lisboa gere mais de 25 mil casas e a do Porto, mais de 13 mil. Ora, fazer uma verificação anual, casa a casa, ver se as pessoas lá estão ou se está outra pessoa qualquer, é uma tarefa hercúlea. Vamos sabendo pelas denúncias.

A GEBALIS (Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa) veio admitir, no ano passado, que tinha €45,3 milhões de dívidas de rendas em incumprimento. Como está a situação no País?
Varia muito de entidade gestora para entidade gestora. Temos umas com incumprimentos a rondar os 2% e outras que vão até aos 50%, o que é insustentável e injusto para os cumpridores.

Há um levantamento que aponta para 1 600 casas vazias só no município de Lisboa.
Nem se percebe porque se deixou chegar a este ponto… Mas, depois, o que se passa é que muitas dessas casas vazias são ocupadas abusivamente. Legalmente, estão vazias, mas muitas delas estão ocupadas abusivamente. Por exemplo, a pessoa vivia em casa dos pais e, com a constituição de nova família, vai ocupar uma casa vazia ali perto. A grande maioria das ocupações abusivas das casas tem uma alternativa habitacional, estava em casa dos pais. Entretanto, esta vereação determinou fazer um levantamento de todas as ocupações, regularizar as que faz sentido serem regularizadas. E quem não for regularizado vai ter de sair.

Quando falou das 25 mil casas, é só habitação social ou também arrendamento acessível?
É habitação social e acessível. Os arrendamentos acessíveis são uma “novidade” dos últimos anos; ainda não têm uma grande expressão numérica neste conjunto. Mas estão a crescer, até porque não se está a construir muito. Neste momento, as câmaras constroem habitação acessível e também habitação social, mas a maior parte não tem muita habitação social. Por exemplo, a câmara de Sintra, que, em termos populacionais, tem quase a mesma dimensão do Porto, tem quase 15% das casas que o Porto tem. Estamos a falar de 1 500 ou 1 700 casas, enquanto no Porto há 13 mil.

Temos o bom exemplo que vem de Braga, quando, há uns anos, começou a diversificar o tipo de habitação que tinha. Deixou de construir bairros sociais e comprava antes casas no património disperso da cidade, ou seja, começou a haver uma integração social

Há pouco mais de cinco anos, o Instituto Nacional de Estatística (INE) fez as contas e concluiu que havia, em Portugal, 120 mil casas de habitação social inseridas em cerca de 26 mil edifícios, ao nível nacional. Este número terá certamente crescido.
Mais uma vez, ninguém sabe. Mas também porque esse número inclui casas do Estado, entre o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) e os municípios e eventualmente os imóveis da Fenache (cooperativas). Na realidade, existem muitas outras habitações que são habitação social, que, em termos europeus, são consideradas dessa forma, mas que não estão contabilizadas. Por exemplo, uma residência de estudantes é considerada habitação social.

Em Portugal, que municípios se destacam pela positiva no domínio da habitação social?
Temos o bom exemplo que vem de Braga, quando, há uns anos, começou a diversificar o tipo de habitação que tinha. Deixou de construir bairros sociais e comprava antes casas no património disperso da cidade, ou seja, começou a haver uma integração social. Também são de destacar os programas que estão a ser implementados na Madeira. A título de exemplo, um programa alternativo é analisar o pedido das famílias e perceber se é mais benéfico dar-lhes um cheque – e vou dar um valor aleatório, de 15 mil euros, por exemplo –, para perceber se a família consegue autonomizar-se no mercado ou se consegue construir uma casa num terreno. Há flexibilidade para adotar soluções deste género.

Pode destacar um bom exemplo num país europeu?
Não conheço ninguém na Europa que diga que não tem falta de habitação social. Só no Reino Unido, faltam quatro milhões de habitações! Fala-se muito do caso holandês, como exemplo de eficácia, ou de Viena, onde a maior parte do edificado pertence ao município e está orientado não só para os mais carenciados mas também para a classe média.

Que opinião tem das cooperativas de habitação e das parcerias entre Estado e privados através da cedência de terrenos?
As cooperativas tiveram um tempo áureo, em Portugal, que terminou com a crise imobiliária de 2008. Nessa altura, a grande maioria das cooperativas faliu, porque assentava o seu modelo de negócio num modelo de promotor: o cooperante pagava uma quota, avançava-se para a construção, a casa ficava dos cooperantes e a cooperativa seguia para o próximo empreendimento, alimentado pela construção nova. Ora, quando a construção nova caiu e rebentou a bolha, uma boa parte dos cooperantes começou a sair e a levantar a sua parte de quota nas cooperativas, e estas ficaram sem dinheiro. Muitas entraram em falência e, em vários casos, teve de ser o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana a pegar nos edifícios, que estavam a meio da construção, e acabar a obra, para não se perder o dinheiro, que, muitas vezes, o próprio IHRU também emprestava com juros bonificados.

O que aconteceu depois?
O que se passou foi que as cooperativas deixaram de ter capacidade financeira para construir e para ir ao mercado de capitais financiar-se. Neste momento, a questão que se coloca é: como é que as cooperativas, hoje em dia sem património, vão conseguir os financiamentos para as suas construções? Aqui, há alguns modelos interessantes. Em Portugal, não conheço nenhum caso em que um município, por exemplo, esteja disposto a servir de avalista a um empréstimo a uma cooperativa, que é o que se passa na Comunidade Valenciana. Depois, há que distinguir duas lógicas de cooperativas: uma é a cooperativa que eu e os meus amigos formamos porque queremos construir um prédio que será a nossa casa; outra são as cooperativas profissionais, digamos assim, aquelas que vão construindo, construindo… Hoje em dia, se quiser constituir uma cooperativa, pode ir propor a uma câmara municipal a cedência de um terreno, mostra a viabilidade financeira da cooperativa e pode negociar com a autarquia. Agora, um modelo como estava, alavancado na lógica da promoção imobiliária, acho que já não faz sentido… Talvez para o setor do arrendamento, mas para venda imediata não.

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