Havia muita expectativa e até ansiedade. A lotação da sala tinha esgotado horas antes. O que resultaria daquele cruzamento ao vivo entre Sasha Grey, ex-atriz porno reconvertida à intelectualidade das artes, e o artista plástico Julião Sarmento? Afinal, nada de novo. Houve quem fosse abandonando o Rivoli e houve quem ficasse até ao fim, “com sacrifício”, na esperança de que algo viesse a surpreender. Só os fãs, sobretudo jovens do sexo masculino – e Julião Sarmento -, continuaram fãs e a vibrar com as frases curtas entrecortadas por risadas nervosas saídas da boca da americana, nascida em Sacramento, há 27 anos.
Este momento tão aguardado – e publicitado – do Fórum do Futuro, a decorrer no Porto até domingo, não foi dos mais felizes. Não foi uma conferência, não foi uma performance, também não foi uma provocação. Foi mais uma conversa sem guião nem propósito. Marina Ann Hantzis, nome de batismo de Sasha Grey, tinha pouco para comunicar. Mas continua a protagonizar bem a sua personagem de jovem ingénua e sedutora, que entrou no mundo da pornografia para se “libertar da culpa” incutida por uma mãe católica. Prossegue o seu “desejo de remover todas as fronteiras morais e sociais” e procurar outros prazeres, agora recorrendo a outras artes: musica, fotografia, escrita e cinema.
Foi com o cinema que a sessão começou. Sasha contava na tela uma experiência sexual sadomasoquista, com todos os pormenores. Alguns, deixaram a tradutora a gaguejar. Era uma curta extraída de um filme de 2010, com a assinatura de Julião Sarmento. “Mostrei a quatro atrizes o mesmo filme. E cada uma tinha de verbalizar para uma câmara o que acontecia com o papel principal, como se tivesse acontecido com elas. Todas verbalizaram de maneira diferente”, explicaria mais à frente Julião Sarmento, quando da assistência veio a perplexidade de não haver qualquer ligação entre a visualização desse filme e tudo o que se lhe sucedeu. “Estava interessado na capacidade de verbalizar algo difícil e violento, de uma forma ingénua e cândida.”
O primeiro encontro
Julião Sarmento conheceu Sasha Grey no festival de cinema do Estoril, quando ela acompanhou Steven Soderbergh na apresentação do filme The Girlfriend Experience. E ficou imediatamente maravilhado com Sasha, e com a forma “inteligente” como respondeu ás perguntas, “todas más”, da conferência de imprensa. Acabou a almoçar com ela. “Comecei a compreender quem era”, contou. E este foi a introdução para a conversa que manteria com a artista.
– Quem é você?
– Faço essa pergunta a mim mesma todos os dias.
– O que gosta de fazer?
– Sou uma estudante da vida. Sinto que nem toda a gente é completamente feliz o tempo todo. Mas para ser feliz é preciso ter objetivos e persegui-los. Quando estou aborrecida não estou feliz.
O namoro entre os dois continuou, como se Julião Sarmento estivesse ainda no primeiro almoço onde a conheceu e seduziu a fazer um filme com ele. Falaram das novas experiências dela: a participação numa banda experimental onde “tocava teclas” e como tenta agora “manipular” e “desconstruir a musica”, o que a levou também a ser DJ. A fotografia é outra das suas paixões, porque, como confessou, não sabe pintar. Pelos 18 anos, altura em que foi viver para Los Angeles e entrou na industria pornográfica, Sasha ultilizou o My Space para se promover. Tirava fotos a si mesma. Mas já não está interessada nisso.
– Hoje, com as redes sociais, todos são fotógrafos. As imagens tornaram-se auto-conscientes. Se calhar era melhor ir contra isso.
– Exactamente. É por isso que estou no limbo. Não gosto de me repetir
Sasha está agora a trabalhar na sequela do seu primeiro romance, Juliette Society, que escreve “em parceria com um colega”.
– Porque não realiza filmes? se escreve as histórias porque não filma?
– Há tão poucos directores/produtores artistas. Tenho medo de entrar nesse mundo.
O porno como afirmação
É o publico que lhe faz as perguntas difíceis. E quando surgem as primeiras manifestações de desconforto é Julião Sarmento que se acusa. “Espera-se que falemos de pornografia e é isso que não fazemos. Temos a luxúria do prazer em comum, mas não vamos fazer isso da maneira mais óbvia. Fazemo-lo de maneira retorcida.”
Há quem queira perceber melhor o objectivo do filme inicial, se só há “prazer ou dor”. Há quem queira saber mais dela. Contou como entrou na pornografia por uma necessidade de afirmação. “Tinha vergonha da minha sexualidade. Tinhas as minhas fantasias. Perguntava-me porque me sentia enjoada, o nojo depois do prazer. Há uma fronteira muito ténue entre o prazer e a dor. Mas queria explorar a minha sexualidade e ajudar os outros a libertarem-se. Não gosto destes tabus. Mas as donas de casa já estão melhores.”
Agora, Sasha, ou melhor, Marina, sente que “a pornografia morreu, já está tudo feito”. Embora as pessoas continuem a “precisar de algo mau e desprezível para julgarem e sentirem-se melhor.”