Pedro Filipe Soares, presidente do Grupo Parlamentar do BE, explica os detalhes sobre o projeto de lei que pretende aplicar uma taxa de 3% da faturação às plataformas eletrónicas e redes sociais que fazem negócios com dados dos utilizadores – mas que ainda não pagam impostos em Portugal. O novo imposto, que é assumidamente inspirado em iniciativas governamentais de Espanha e França, apenas se aplica a multinacionais que faturam mais de 750 milhões de euros por ano. Os cálculos do BE apontam para uma coleta anual de 60 milhões de euros por ano, caso a nova taxa seja aprovada em Portugal. Pedro Filipe Soares vê com agrado a posição favorável do primeiro-ministro, mas defende que a introdução do novo imposto que tem por destinatários Facebook, Amazon, Apple ou Google e promete financiar a imprensa nacional, não pode esperar pela Comissão Europeia. «Se não agimos nacionalmente, capacitando o Estado, ficaremos como estamos hoje, sem imposto à escala nacional, e sem imposto à escala europeia», reitera o deputado bloquista.
O BE tem alguma coisa contra as grandes empresas de tecnologias?
Não temos nada contra a economia digital, não temos nada contra os benefícios que as tecnologias trazem à vida das pessoas, mas estamos contra grandes multinacionais que, tendo grandes benefícios com a economia digital, depois não cumprem o papel de redistribuir a riqueza que criam, nomeadamente ao nível da tributação. Quando uma grande empresa usa um esquema fiscal para fugir ao pagamento de impostos – aí, sim, temos um problema.
O próprio mosaico fiscal da UE não facilita a fuga aos impostos? Não terá sido a discrepância dos impostos cobrados nos vários países que levou a situações de perdão fiscal como aquele que foi protagonizado pela Apple na Irlanda?
Também se pode ver (esse fenómeno) à escala mundial. Na prática, os modelos de tributação habituais baseiam-se muito nos modelos que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) foi criando ao longo dos anos, com acordos de dupla tributação ou de cooperação entre países. São modelos que se baseiam na evolução normal da tributação dos estados, que podem estar integrados em territórios como a UE. Quando temos uma economia digital, que é desmaterializada, passamos a ter um problema: a fiscalidade não se adaptou a esta nova realidade. A teia de acordos e de regimes de tributação e de forma de relacionamento entre estados e países dentro de regiões como a UE está criada de uma forma que é usada pelas grandes empresas da economia digital para fugir ao pagamento de impostos, independentemente de onde é extraída a riqueza. O queremos com este projeto não é reproduzir outros impostos já existentes, como aqueles que são aplicados aos serviços de alojamento de dados na Internet ou de e-mail… esses serviços já são tributados com o pagamento de IVA. Não é para esse tipo de serviços que queremos dar resposta. Queremos dar resposta à criação de riqueza que é produzida por estas multinacionais à custa da atividade dos utilizadores e que não está sujeita a qualquer tipo de tributação nos países onde é gerada.
Pode dar exemplos?
Hoje, empresas como a Google, a Amazon, ou a Facebook conseguem criar riqueza a partir da atividade dos utilizadores em várias plataformas. E isso porque estratificam dados, ganham conhecimento que utilizam em serviços concretos como publicidade direcionada para os vários internautas, promovendo relações entre os diferentes utilizadores, ou através da venda de dados. No fundo, há uma venda de serviços com base em dados produzidos pelos utilizadores. Só que essa produção de dados não tem sido tributada. Temos territórios como o português, entre outros, onde essas empresas geram riqueza com informação dos cidadãos, mas não cumprem nenhuma responsabilidade social e não pagam impostos por esse tipo de riqueza.
Sendo assim, o imposto proposto pelo BE nada tem a ver com os 500 milhões de euros que a Apple vai pagar em França a título de retroativos!
Esse imposto de que está a falar diz respeito a uma atividade económica normal, e deve-se a um acordo com a autoridade tributária francesa e a empresa. Mas o governo francês também já anunciou que pretende lançar um imposto semelhante àquele que propomos. Esse imposto (francês) vai ter retroatividade até 1 de janeiro de 2019. Os espanhóis fizeram exatamente a mesma coisa, através do Orçamento de Estado para 2019, com duas leis associadas: uma delas tem a ver com este imposto para os serviços digitais, enquanto a outra é a chamada Taxa Tobin. Estes impostos fazem mais sentido a uma escala supranacional, regional ou global…
Se for aprovado, o projeto de lei do BE não vai acabar por funcionar como um empecilho à aplicação da taxa digital que tem vindo a ser trabalhada pelos ministros das finanças da UE?
Esta proposta que nós fazemos vai buscar inspirações quer a estudos da OCDE quer no pacote digital da Comissão Europeia. O problema é que tanto a OCDE como a Comissão Europeia estão paralisadas em termos políticos. A OCDE porque os EUA não querem este tipo de impostos, porque várias destas multinacionais são americanas, enquanto na UE, há vários países nórdicos com grandes relações com a economia dos EUA, sendo que a Alemanha teme represálias dos EUA no que toca aos impostos sobre a venda de automóveis. O problema está identificado. Falta é vontade política para resolver o problema. Enquanto a vontade política não existir, as grandes empresas da economia digital continuam a extrair riqueza dos diferentes países. Estes interesses impedem qualquer solução na UE. Apresentamos este projeto de lei de escala nacional por dois motivos: por um lado, seguimos os passos da Espanha e da França e preparamos o nosso sistema tributário para captar impostos para estas empresas e, por outro lado, também permite dizer no Conselho Europeu que vai agora tomar uma decisão no primeiro trimestre, que isto é necessário; que é uma resposta que temos de dar face a um empobrecimento dos nossos países para benefício das multinacionais que não dão retorno para os países. Não só defendemos isto à escala europeia, como avançamos à escala nacional, sem estar à espera de outros que estão reféns de interesses nacionalistas.
O primeiro-ministro deu a entender no mais recente debate quinzenal que é favorável a este tipo de imposto… essa posição dá-lhe esperança quanto à aprovação?
O Governo já se tinha pronunciado no último ano… e no final do semestre passado este debate foi ganhando corpo. Aliás, a Comissão Europeia vem estudando o assunto desde 2017. Isto não é algo recente. O primeiro-ministro disse no debate quinzenal que não faz sentido as multinacionais não pagarem impostos. O problema desta posição – que é correta na génese – é que o primeiro-ministro atira para a escala europeia a criação destes impostos. Como disse há pouco, até poderíamos deixar a criação dos impostos para a escala europeia. O problema desta via é que está condenada a um debate demorado na UE ou até ao fracasso devido aos interesses nacionais que vão impedir que vá por diante. Se não agimos nacionalmente, capacitando o Estado, ficaremos como estamos hoje, sem imposto à escala nacional, e sem imposto à escala europeia. Olhamos para as posições dos governos espanhol e francês e verificamos que partiram da mesma posição do primeiro-ministro, mas não ficaram à espera de outros; já estão a agir.
Como é que o BE chegou ao cálculo de 60 milhões de euros coletados por anos com o novo imposto?
A Comissão Europeia atribui esse valor a Portugal e nós tomamo-lo como bom. Dissemos na apresentação do projeto de lei que o valor seria entre 60 e 100 milhões de euros, porque também balizámos com os cálculos feitos pelo governo espanhol, que estima alcançar uma receita de cerca de 500 milhões com este imposto. Numa lógica, de proporção de cerca de um quinto do valor da economia espanhola, dará cerca de 60 milhões de euros de receita em Portugal. Temos consciência de que este imposto vai ser uma luta, porque estas multinacionais não estão habituadas a que se exija a um pagamento destes impostos…
Também não há propriamente uma métrica criada que facilite a aplicação de impostos a cada empresa… Até porque eventualmente, o Estado português não terá os instrumentos necessários para aceder aos dados que permitem saber quanto deve uma empresa pagar de imposto!
Seguimos a mesma posição jurídica dos espanhóis. A OCDE, a UE e os diversos estados a título individual têm assinado acordos para que as grandes multinacionais digam onde é que fazem as grandes riquezas, mas também apresentem contas e resultados mundiais da atividade. A primeira consequência destes acordos é tornar possível saber da contabilidade destas multinacionais à escala mundial. Sabendo isso passamos a saber a faturação que essas empresas estão a apurar por serviço e podemos dizer então que, se há X utilizadores à escala nacional, e a plataforma tem um determinado número de utilizadores a nível global, podemos aplicar uma proporção que podemos dizer que é correspondente a receitas obtidas em Portugal.
A Autoridade Tributária (AT) vai ter acesso a essa contabilidade?
Um Grupo Parlamentar ou até a Assembleia da República não têm capacidade para dizer como é que a AT vai operacionalizar esta vertente. Cabe ao Estado regulamentar como é que esta lei vai ser aplicada, mas garantimos direitos da AT sobre estas empresas. Por um lado, a AT poderá auditar e fiscalizar estas empresas… mas se olharmos para a realidade fiscal nacional, em que qualquer café tem de enviar faturas para a AT, reparamos que não estamos a pedir nada demais a estas multinacionais. A única diferença é que elas, sendo muito grandes não estão habituadas a este tipo de fiscalização. Também defendemos que a AT pode ter uma capacidade definir o valor do imposto por estimativa, tendo um prazo de quatro anos para fazer o apuramento desse valor. O que permite à AT não ficar parada perante uma eventual falta de cooperação das empresas. Como é que um país como Portugal consegue fazer frente à Google, à Apple ou à Facebook? Sem querer dar força à ideia de pequeno país – até porque somos um país médio à escala europeia -, verificamos que há uma desigualdade de forças entre quem vive no mundo global e quem tem uma base territorial como Portugal. Temos a vantagem de seguir quer o que os trabalhos da OCDE e da Comissão Europeia, quer os trabalhos levados a cabo por Espanha e França, e aprender a forma como ultrapassaram os problemas de colocar em prática este imposto.