A construção do cabo submarino EllaLink, que liga a América do Sul e a UE, vai arrancar ainda na primeira metade de 2019. Não se trata do primeiro cabo a ligar diretamente os dois continentes, mas é uma infraestrutura que vai permitir dispensar, por fim, a passagem pelos EUA de todo o tráfego da Internet que hoje é veiculado entre a Europa e América Latina. Além do acréscimo de velocidade e de outras questões técnicas, é também um momento de grande significado político: em 2020, quando o cabo submarino começar a operar, as comunicações entre os dois continentes deixam de ser mediadas pelos EUA – e com este redireccionamento de tráfego, talvez se dissipe parte da desconfiança gerada quanto aos serviços secretos norte-americanos, após as revelações sobre as atividades de espionagem dos EUA.
A luz verde para o início dos trabalhos foi dada pelo acordo final entre a EllaLink e a Alcatel Submarine Networds. A nova infraestrutura que liga Fortaleza, no Nordeste brasileiro, e Sines, no sudoeste português, num traçado de quase 10 mil quilómetros e com 100 Gbps a atual ligação direta tem 10 Gbps), teve desde o princípio um promotor de peso na vertente científica: o consórcio BELLA (Building the Europe Link to Latin America).
Em entrevista, João Nuno Ferreira, diretor da Unidade orgânica da Computação Científica Nacional da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), recorda a vertente lusófona do projeto (o cabo sai do Brasil, passa por Cabo Verde e termina em Sines) e admite que até os consumidores finais possam vir a beneficiar desta via de ligação que promete tirar partido do posicionamento geográfico de Portugal.
O que muda com a instalação do cabo submarino da Ella Link?
Trata-se de uma aproximação da Europa e da América do Sul. Já existia um cabo, já envelhecido, que fazia esta rota… mas todo o restante tráfego entre a Europa e a América Latina passava pela América do Norte, via Florida, Nova Iorque ou outro ponto de amarração. Dada a importância e as relações entre estes dois continentes, impunha-se ter uma nova ligação direta com tecnologia de última geração.
Há questões técnicas de largura de banda, mas há também questões políticas e de segurança… ou não tivesse este cabo submarino começado a ser pensado durante a presidência de Dilma Rousseff, como reação às revelações de Edward Snowden sobre NSA!
Não posso fazer afirmações sobre as motivações políticas, mas posso dizer que, já antes desse incidente, o Brasil tinha planeado um conjunto de quatro cabos submarinos: um para a África ; um para a Europa, que é este de que temos estado a falar, um para a América do Norte e um para o Sul e para a Argentina. O que é mais relevante é que os países charneira, os países que são mais estratégicos em cada bloco continental, percebem que as autoestradas da informação são fundamentais para assegurarem uma centralidade e as indústrias de serviços e telecomunicações. Penso que o Brasil formulou isso muito bem no passado e avançou com um projeto que contemplava quatro cabos de uma só vez, numa altura em que também estava com outro desafogo económico. Este projeto, apesar de ter sido atingido pela crise, não morreu de forma alguma… penso que as ligações para os outros três locais foram asseguradas por outros operadores. É um plano que está praticamente implementado com o lançamento deste cabo. Não posso negar que uma ligação direta que só passa por águas internacionais e não passa por águas de outros países tem menos implicações. Cada país manda nos seus territórios e, por isso, havendo menos países que possam mandar diminui o risco de se decidir algo em contrário (aos interesses de quem gere as comunicações ou os cabos submarinos).
Os consumidores vão poder notar alguma mudança nas comunicações para o sul da Europa? E os operadores de telecomunicações?
Penso que sim. Não será imediato… mas quando entra em operação um recurso deste tipo e sobretudo um recurso com capacidade para entregar diretamente tráfego que, neste momento está a ser entregue indiretamente (via América do Norte), passa a haver um ajuste de preços por parte do mercado… há quem vá perder e há quem vá ganhar clientes. E há ainda as questões técnicas. Vai passar a ser mais fácil e barato transmitir grandes volumes de dados entre Europa e América Latina. O que reconfigura o mercado das comunicações no Atlântico… e sobretudo beneficia as comunicações entre a Europa e a América Latina. Mas vai mexer com várias peças. Até podemos passar a ter um backup entre os dois lados do Atlântico Norte, através destas ligações do Atlântico Sul. Fecha-se um triângulo. Já tínhamos muitas ligações da América Latina para a América do Norte, e muitas ligações da América do Norte para a Europa; curiosamente também havia muitas ligações da Europa para África; mas não havia muitas ligações no Atlântico Sul (entre África e América Latina) e agora já há duas; e vamos ter este cabo submarino que faz a diagonal entre a América Latina e a Europa. A chegada deste conjunto de cabos de nova geração veio abrir portas para o desenvolvimento das comunicações no Atlântico Sul.
Houve uma altura em que se admitiu que Portugal pudesse ficar de fora deste projeto… Qual a importância deste cabo submarino terminar em Sines?
A Ella Link, que é o consórcio construtor, sempre disse que o cabo ia terminar em Portugal… poderá ter havido um período de indecisão, mas essa opção manteve-se até ao final. Penso que será o primeiro cabo submarino internacional com terminação em Sines. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) está a participar num consórcio que pode ser visto como comprador da capacidade (de comunicações) deste cabo, através do projeto Bella (que pretende ligar entidades e instituições científicas da Europa e da América Latina). É um projeto que tem dois pilares: o cabo submarino e a rede interna da América Latina. Mas o cabo também uma vertente comercial e, ao chegar a Portugal, garante-se uma proximidade física para os agentes portugueses, que passam a ter um recurso que chega à nossa costa e que nos garante tempos de transmissão muito bons. A EllaLink refere ainda que o cabo submarino vai também ter capacidade de entrega em Lisboa, Madrid e Marselha… e quando o cabo entrar em operação, torna-se um recurso para os operadores que queiram aceder a um mercado com a nossa língua ou que nos é muito próximo, como é o caso do mercado ibero-americano. Caberá ao mercado português tirar partido desse cabo. Mas esta é a vertente comercial pura. Na FCT, temos o projeto Bella, que vai dar capacidade reservada pré-paga pela UE para projetos de ciência e ensino. É outra capacidade que se abre para o investigadores e instituições, que passam a ter comunicações não limitadas para a América Latina.