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Corria o dia 8 de abril de 2005, quando o gabinete de José Rodriguez Zapatero anunciou o primeiro Plano de combate à pirataria. Dificilmente o governo PSOE poderia prevê-lo, mas o primeiro grande pacote legislativo de combate à pirataria de Espanha acabaria por produzir efeito em Portugal… nove anos depois: Na quinta-feira, o conselho de ministros aprovou um plano estratégico que tem dezenas de frases copiadas do plano aprovado pelo governo de Zapatero em 2005. O documento da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) não faz uma única menção ao plano que o governo espanhol aprovou nove anos antes, apesar do uso das várias frases traduzidas de castelhano para português.
A Exame Informática acedeu ao documento que foi enviado para as diferentes associações que representam autores e editores e confirmou a existência de vários trechos semelhantes entre as duas versões. Questionada sobre o assunto, a Secretaria de Estado da Cultura admite que a versão que levou a Conselho de Ministros apenas deverá conter alterações de pormenor, relativas a questões jurídicas. Apesar de admitir uma colaboração recorrente com as autoridades espanholas, a SEC não fornece o documento aprovado em conselho de ministros. Resultado: não é possível saber se a versão que vai ser publicada mantém a semelhança com o plano espanhol ou se foi alterada à última hora para evitar constrangimentos.
A adoção de leis e programas de ação aplicados em países estrangeiros não é propriamente inédita, mas no Plano Estratégico de Combate à Violação de Direito de Autor e Direitos Conexos (PECVDADC) a cópia está longe de seguir uma fonte de inspiração bem sucedida: «(O plano espanhol) Foi um fracasso total, e ficou conhecido como um equívoco, que nada alterou, uma vez que toda a gente continuou a descarregar o que queria da Internet», recorda José Manuel Tourné, diretor-geral da Federação para a Proteção da Propriedade Intelectual espanhola.
A história confirma a análise do especialista em direitos de autor espanhol: em dezembro de 2011, o governo de Zapatero aprovou a lei Sinde, com o objetivo de substituir o plano de combate à pirataria aprovado em 2005.
O PECVDADC foi enviado para as associações que representam autores e produtores com a data de 14 de julho. A estrutura é similar à do plano espanhol: cinco capítulos de medidas, com nomes similares e na mesma ordem. O documento espanhol conta com 31 páginas; a versão portuguesa conta com 10 – o que talvez possa ser justificado pelo facto de ser apenas uma síntese.
Nem todo o texto espanhol foi traduzido; a síntese portuguesa tem menos parágrafos e detalhes, e ao contrário da espanhola não refere datas de conclusão. O que não impede a tradução de vários trechos e ainda a manutenção das três principais novidades preconizadas na versão original: 1) a criação de uma comissão Intersetorial (em Portugal, Comissão Interministerial) responsável pela aplicação do Plano; 2) a criação de uma polícia especializada; 3) e a colaboração da Autoridade Tributária no combate à pirataria.
Paulo Santos, diretor-geral da Associação Portuguesa de Defesa das Obras Audiovisuais (FEVIP), e uma das personalidades da indústria que mais clamam por novas leis contra a pirataria na Net não hesita na hora de comentar: «a SEC não tem qualquer ideia sobre o que fazer, nem vontade pró-ativa para combater a pirataria, e não apresenta iniciativas sérias e capazes de proteger os direitos de autor». Sobre as semelhanças entre os dois textos, o responsável da FEVIP lembra: «o plágio tem uma norma incriminadora» que deveria ser suficiente para dissuadir qualquer órgão de soberania.
As críticas ao documento não se ficam por aqui: Manuel Lopes Rocha, um dos advogados mais conhecidos nos direitos de autor, questiona a viabilidade da criação de uma polícia especializada em pirataria da Internet «quando a brigada de combate ao cibercrime da PJ se debate com falta de meios». O causídico alega ainda um desfasamento da realidade, dando como exemplo a intenção de analisar o funcionamento do «Tribunal de Propriedade Intelectual (TPI), quando o próprio governo já prevê a constituição de um TPI no Porto». Sobre as semelhanças com o plano espanhol, que admite não ter lido, profere: «a ser verdade, é eticamente inadmissível».
Nem todo os representantes da indústria que lida com os direitos de autor terão recebido o plano do governo. Eduardo Simões, diretor-geral da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) admite que teve conhecimento do documento «por terceiros» e diz tratar-se de algo «programático e que diz muito pouco». Na origem da crítica da do líder da AFP, estará o facto de o Governo não ter adotado a política de avisos, multas, e medidas técnicas que dissuadem a pirataria na Internet e que já haviam sido propostas pelo Fórum de Direitos da Internet (FDI) ao governo.
A Associação Portuguesa de Software (Assoft) também não foi consultada sobre o plano de combate à pirataria, mas Luís Sousa, líder da associação, prefere dirigir as críticas noutro sentido: «trata-se apenas de uma declaração de intenções e não de uma tomada de medidas. No fundo, é só para dizer que vão trabalhando no assunto, mas não fizeram muito… e entretanto estão já no final de mandato».
Descubra as semelhanças.
Há pelo menos 30 excertos iguais entre os dois planos de combate à pirataria português e espanhol. Eis alguns exemplos:
Em Português
«Esta é uma medida de caráter horizontal e muito importante para a eficácia de todas as outras, assim como para a sua melhor coordenação».
«Quem infringe? Neste caso as ações destinam-se a analisar e determinar o perfil do infrator, isto é, aquele ou aqueles que colocam à disposição do público obras sem as correspondentes autorizações»
«Há que reforçar o propósito de que a propriedade intelectual, a eficácia dos seus conteúdos e o respeito pelas suas normas, acrescentam valor e enriquecimento cultural à sociedade»
«Por último, é importante impulsionar uma maior especialização da autoridade tributária em matéria de propriedade intelectual com o fim de melhorar os conhecimentos técnicos e jurídicos da máquina fiscal para enfrentar mais eficazmente este tipo de delitos.
Em castelhano
«Se trata de una medida de carácter horizontal imprescindible para la eficaz ejecución de todas las demas, así como para sua debida coordinación»
«Quién infringe. En este punto no se trata de saber, al menos no exclusivamente, qué derechos o qué normas se vulneran dentro del fenómeno de la pirataria, sino de detectar, del modo más riguroso, la incidencia por sectores de las actividades infractoras»
«Habrá que reforzar la idea de que la propiedad intelectual, la eficacia de sus contenidos y el respecto de sus normas, aportan finalmente, un valor de enriquecimento cultural de la sociedad»
«En ultimo lugar, se impulsará la especialización de fiscales en materia de propiedad intelectual, com el fin de mejorar los conocimientos técnicos y jurídicos de los fiscales para potenciar la lucha contra este tipo de delitos»