“Na internet, ninguém sabe que tu és um cão”. A frase, dita por um cão a outro em frente a um computador, e que fazia parte de um cartoon publicado pela revista The New Yorker, numa edição de 1993, tornou-se numa alegoria dos conceitos de privacidade e anonimato que a internet trouxe. E com estas vantagens vieram também alguns problemas, como a proliferação de discurso de ódio por pessoas ‘escondidas’ em perfis anónimos ou até mesmo o fenómeno do roubo e usurpação de identidade. Os tempos são outros e parte do desafio agora passa por conseguir provar que, na internet, uma pessoa é na verdade quem diz ser.
Há já várias plataformas com sistemas de verificação de identidade, como são casos o Instagram (que usa um sistema de verificação de documentos de identidade, mas só está disponível para perfis de pessoas “notáveis”), o Twitter (que usa igualmente uma verificação por documento de identidade, mas limita as verificações mais importantes a governantes de países e organizações) ou o Revolut (que usa um sistema de validação do documento de identidade, mais uma selfie em tempo real, para todos os utilizadores). Mas a abordagem da Worldcoin é diferente.
A startup fundada pelo também cofundador da OpenAI, Sam Altman, está a desenvolver um sistema chamado WorldID. É, de forma resumida, um sistema de zero knowledge proof (prova com zero conhecimento). A ideia é que alguém consiga provar ser quem é, mas sem precisar de partilhar dados pessoais para o fazer. Um exemplo prático: com um sistema de zero knowledge proof, o José consegue autenticar-se numa rede social ou na aplicação de um banco, mas sem que a rede social ou o banco tenham ficado com o nome, e-mail ou número de telefone do José.
Isto é possível graças a um processo que envolve a digitalização da cara e das íris do utilizador, assim como a prova de que é um humano vivo, num equipamento criado especificamente para este efeito, uma esfera platinada chamada Orbe e que transforma estes dados num código único (pode conhecer com maior detalhe o funcionamento técnico da WorldID neste artigo).
Cortar o mal pela raiz
A WorldCoin, que continua a crescer em Portugal – angariou 30 mil novos utilizadores nos últimos dois meses, para um total de 160 mil –, está a anunciar os primeiros parceiros a nível mundial que estão a integrar o WorldID como um sistema de verificação de identidade. E entre os primeiros nomes está o de uma startup portuguesa, a Talent Protocol.
“Nós sendo uma plataforma e uma comunidade de talento, é importante garantir a qualidade dessa mesma comunidade. Numa primeira fase, que são pessoas reais, que são pessoas com boas intenções, que não são pessoas mal intencionadas. Esta integração é um primeiro passo fundamental para garantir isso”, explica Filipe Macedo, cofundador e diretor de produto da Talent Protocol, em entrevista à Exame Informática.
A Talent Protocol é uma startup que está a desenvolver uma plataforma baseada na tecnologia blockchain que funciona como uma rede social profissional, mas que dá maior controlo ao utilizador sobre o seu perfil, as suas ligações e tem também uma componente financeira – cada pessoa pode criar um token pessoal, associado à sua carreira profissional, que pode ser transacionado como se fosse uma ação de uma empresa e que, no futuro, poderá inclusive dar dividendos àqueles que apoiaram aquele profissional.
Como o projeto tem uma componente financeira, isso significa que existe, de forma inerente, um incentivo para que pessoas mal intencionadas tentem encontrar uma forma para ludibriar a plataforma e os utilizadores com o objetivo de ganhar dinheiro. “E é aí que uma ferramenta como a WorldID é super importante para nós”, garante o cofundador.
É que graças à forma como a WorldID funciona, quem fizer a verificação de identidade na Talent Protocol usando esta ferramenta está a dizer aos outros utilizadores que passou um teste de humanidade e de identidade. No seu perfil, passa a ser mostrado um visto azul a atestar a passagem nesses testes e que aquela pessoa é mesmo quem diz ser (até ao momento ainda não foram noticiadas tentativas bem sucedidas de enganar o sistema da WorldID).
Apesar de a Talent Protocol já usar um sistema de verificação de identidade baseada em documentos oficiais (como o cartão de cidadão), isso não impede, por exemplo, que um utilizador crie duas contas, validando a identidade num lado com o cartão de cidadão e no outro com o passaporte. Com o sistema da WorldID, baseado na digitalização da íris, é como se cada pessoa só pudesse existir uma vez, não sendo possível ‘desdobrar’ a identidade por vários meios.
“O WorldID tem dois benefícios: um, previne pessoas mal intencionados na plataforma; e segundo, cria mais confiança entre as ligações, o facto de uma conta estar verificada pela WorldID cria mais confiança [na rede]”, sublinha Filipe Macedo.
E como a WorldID é um sistema de zero knowledge proof, isto significa que a Talent Protocol pode fazer uma verificação da identidade dos utilizadores, mesmo sem ter acesso a qualquer dado pessoal dos que foram partilhados pelo utilizador com a Worldcoin. Para fazer a validação, na plataforma da Talent Protocol, basta selecionar a opção de verificação de identidade com a WorldID (está no separador chamado Quests) e depois fazer a leitura de um código QR. “É super simples de fazer, são literalmente 20 segundos”, detalha o elemento da startup portuguesa.
Mais integrações a caminho
Tanto a Talent Protocol como a Worldcoin são projetos da chamada web3, uma internet baseada em tecnologias descentralizadas como a blockchain. E isso ajuda a explicar, em parte, esta parceria. “O facto de o meio e a indústria serem recentes, quer dizer que o espírito é cooperativo e não muito competitivo”, sublinha Filipe Macedo.
Já Pedro Trincão, líder de mercado da Worldcoin para Portugal e Espanha, garante que a empresa não pretende ficar por aqui, tanto ao nível de parceiros que integram a WorldID no mercado português, como ao nível do perfil das empresas que vão tirar partido do sistema de verificação.
“Tivemos bastante procura [pelo nosso kit de desenvolvimento] e estamos a analisar as integrações que queremos anunciar publicamente. A Talent Protocol é uma das primeiras, o que revela mais uma vez o investimento que fazemos em Portugal. Portugal continua a ser um mercado de referência para a Worldcoin”, garante o responsável.