Em outubro de 2021, Hugo Penedones, um dos cofundadores da startup Inductiva AI e um antigo elemento da então empresa de Inteligência Artificial DeepMind (na altura já pertencente à Alphabet, mas ainda não integrada na Google), dizia-nos o seguinte numa entrevista. “Estou um bocado a apostar que alguns dos meus ex-colegas [da Deepmind] vão ser candidatos para prémio Nobel daqui a uns anos, porque é um problema com muito significado, pode ajudar a compreender melhor algumas doenças, a encontrar medicamentos adequados para tratar algumas doenças, vai ter imensas aplicações”.
Quase três anos depois destas previsões, eis o proclamado Nobel. Demis Hassabis, diretor executivo da agora Google DeepMind, e John Jumper, diretor de investigação na empresa, foram dois dos três galardoados pela Academia Real de Ciências da Suécia com o Prémio Nobel da Química para o ano de 2024. O terceiro laureado é David Baker, investigador na Universidade de Washington, em Seattle.
O tal problema referido por Hugo Penedones? Os três elementos desenvolveram, nos últimos anos, investigação e métodos que permitiram prever a estrutura tridimensional de uma proteína tendo como ponto de partida apenas a sequência de aminoácidos dessa proteína. É a chamada modelação ou estruturação de proteínas (protein folding em inglês). “O potencial para as suas descobertas é enorme”, sublinha o Comité Nobel em comunicado.
As proteínas podem ser vistas como “ferramentas químicas”, sendo que, tipicamente, cada proteína é constituída por 20 aminoácidos, que podem ser combinados de muitas, muitas mesmo, formas diferentes. E é quando estes aminoácidos assumem uma estrutura tridimensional que a proteína ganha a sua função específica. São, na prática, um dos blocos essenciais à vida tal como a conhecemos.
E estes investigadores contribuíram, de forma significativa, para a compreensão deste processo. Demis Hassabis e John Jumper usaram sistemas avançados de Inteligência Artificial, conhecidos como AlphaFold (2020) e AlphaFold2 (2022), para prever a estrutura tridimensional de uma proteína a partir de uma determinada sequência de aminoácidos – o que lhes permitiu prever a estrutura de quase 200 milhões de proteínas com base no mapeamento dos organismos até agora descobertos na Terra. E a Google disponibilizou este modelo de forma gratuita, tendo já sido usado por mais de dois milhões de investigadores de 190 países. Antes do AlphaFold 2, obter a estrutura de uma proteína demorava cerca de um ano – agora pode ser feito em minutos.
Já David Baker desenvolveu métodos computacionais para criar proteínas que anteriormente não existiam e que, em muitos casos, têm funções completamente novas, segundo a descrição do Comité Nobel. O investigador, na prática, decidiu fazer engenharia reversa à lógica das proteínas: em vez de tentar perceber qual seria a estrutura de uma proteína com base nos aminoácidos, desenhava primeiro a estrutura (algo conhecido como de novo design) e depois mediante esse desenho, percebia quais os aminoácidos que seriam necessários para criar esse resultado. E provou que a sua ideia estava correta.
Segundo a Academia Real de Ciências da Suécia, responsável pela atribuição dos Prémios Nobel, as descobertas dos três laureados “permite-nos compreender melhor como a vida funciona, incluindo por que motivo se desenvolvem algumas doenças, como ocorre a resistência a antibióticos ou por que razão alguns microrganismos conseguem decompor plástico”. Além disso, estas descobertas abrem portas para a criação de novas proteínas, “novos nanomateriais, medicamentos direcionados, desenvolvimento mais rápido de vacinas, sensores e uma indústria química mais ecológica”.
Curiosamente, descobertas relacionadas com a estrutura de proteínas já tinham valido outros Prémios Nobel da Química no passado: John Kendrew e Max Perutz em 1962; e Christian Anfinsen em 1972.
De recordar que o Prémio Nobel da Física de 2024 também tem uma forte ligação à área da tecnologia – foi atribuído a dois pioneiros das redes neurais artificiais e algoritmos de aprendizagem automática.