Na semana passada foram feitos dois anúncios importantes na área da Física de Partículas: do Fermilab, nos EUA, veio um novo valor de massa para o bosão W; do CERN, na Suíça, a deteção de antimatéria. O físico Nuno Castro, professor e investigador da Escola de Ciências da Universidade do Minho, ajuda-nos a perceber que impacto terão estas novidades na forma como entendemos o Universo.
Resultados do Fermilab apontam para um novo valor para a massa do bosão W. Que impacto terá esta descoberta – e o novo valor – na Física?
Ao contrário do que acontece com algumas partículas fundamentais, como o eletrão, em que o valor da sua massa é um parâmetro livre do Modelo Padrão da Física de Partículas, a massa do bosão W é prevista teoricamente. Ou seja, conhecemos a massa do eletrão através de medidas experimentais, mas, se as medidas apontassem para um valor diferente isso não causaria problemas de consistência no Modelo Padrão. A massa do bosão W, pelo contrário, é prevista teoricamente pelo que um desacordo entre a previsão teórica e a medida experimental pode ser um sinal de que há nova física para além do Modelo Padrão. Isto por si só é motivo mais que suficiente para que o resultado agora reportado pela experiência CDF do Fermilab (EUA) seja recebido pela comunidade de física das partículas com muito interesse. Em particular porque este resultado, a confirmar-se por medidas independentes, pode eventualmente ser um sinal da existência de novas partículas ou fenómenos testáveis, por exemplo, no [acelerador de partículas] LHC do CERN.
A diferença, aos olhos de um leigo, é muito ténue [0,1% a mais]. Mesmo assim, foi anunciada como sendo uma grande revelação. Porquê?
Esta é uma questão muito relevante. De um ponto de vista experimental o que interessa é não só o valor medido, mas também a incerteza experimental associada. Um desvio grande em valor absoluto entre o valor medido e a previsão teórica pode não ter qualquer significado estatístico se a diferença for coberta pela incerteza associada. Neste caso, a experiência CDF reporta uma diferença entre o valor experimental e a previsão teórica muito superior à estimativa do erro experimental. A razão para esta discrepância poderá estar relacionada com a medida experimental, com a previsão teórica ou até com a interpretação estatística dos resultados experimentais.
Que implicações terá?
Caso se venha a confirmar que as medidas experimentais são incompatíveis com a previsão teórica, tal poderá significar que há novos fenómenos para além dos previstos pelo Modelo Padrão da Física de Partículas. Se é esse o caso ou não, será a natureza a responder e cabe agora à comunidade de física de partículas confirmar ou não, através de medições experimentais e da interpretação das mesmas, este resultado.
O trabalho demorou dez anos a ser publicado. A que se deveu esta demora?
Este é um resultado experimental de uma grande complexidade. Controlar as incertezas experimentais a este nível é uma tarefa complexa, que exige o desenvolvimento de métodos sofisticados de análise de dados, bem como uma compreensão profunda das condições experimentais. É um trabalho moroso que frequentemente, como aqui foi o caso, leva anos.
O CERN também fez um anúncio relativamente à deteção de antimatéria, na experiência LHCb [uma das experiências do LHC]. Que impacto terá na Física?
A medida referida resulta da produção de antiprotões em colisões entre protões (p) e núcleos de hélio (He). Embora no LHC ocorra a colisão de protões com protões, a experiência LHCb tem a capacidade única de injetar gás, no caso hélio, na região de interação e assim estudar processos que de outra forma seriam inacessíveis, tais como a produção de antiprotões a partir de colisões p-He. Os resultados agora obtidos são relevantes para a interpretação de pesquisas de matéria escura, tais como as efetuadas pela experiência, AMS [a bordo da Estação Espacial Internacional], entre outras. A interpretação dos resultados destas experiências depende do conhecimento das probabilidades de interação entre protões e hélio e é neste contexto que o resultado de LHCb agora reportado é particularmente relevante.
Estamos mais próximos de perceber a anti-matéria?
Os resultados agora obtidos por LHCb fornecem informação importante para a interpretação dos resultados de outras experiências. É da complementaridade entre os vários resultados experimentais que se obtém o conhecimento necessário para avançar a nossa compreensão sobre o Universo, bem como sobre os constituintes da matéria e as suas interações.
Estas duas descobertas vêm pôr em causa o Modelo Padrão. O que será preciso acontecer para que este seja mesmo substituído e deixe de ser o padrão?
Estes dois resultados são bastante diferentes e com relevância por motivos diferentes. O conhecimento científico avança à medida que vamos tendo novas peças para completar o puzzle. É da nossa capacidade de fazer perguntas à natureza através das experiências científicas, de ouvir as respostas através da análise dos dados experimentais e da confrontação com as previsões teóricas, que depende a evolução do nosso conhecimento. Muitas vezes a resposta a uma pergunta abre novas perguntas: é essa a natureza do método científico.