Se os EUA têm quatro “pais fundadores”, as baterias de iões de lítio têm três – e todos eles acabam de ser distinguidos com o Prémio Nobel da Química de 2019 por terem ajudado a criar unidades de armazenamento que garantiram a cada indivíduo e à humanidade em geral uma autonomia energética sem precedentes – que vai do telemóvel à câmara fotográfica, do smartwatch aos carros elétricos. Stanley Whittingham, John Bannister Goodenough e Akira Yoshino são os laureados com o Prémio Nobel da Química deste ano.
Aos 96 anos, John Bannister Goodenough, mais conhecido no meio científico por B. Goodenough, tornou-se num recordista de idade a receber um prémio Nobel por ter desenvolvido um cátodo em estado líquido (o polo positivo das baterias) com um óxido de metal. O comunicado da Real Academia Sueca das Ciências recorda que o investigador americano conseguiu demonstrar na década de 1980 que é possível usar óxido de cobalto intercalado ao nível molecular com iões de lítio para criar uma unidade de armazenamento de energia com uma tensão de quatro volts.
«Foi uma grande evolução que levou ao desenvolvimento de baterias com maior potência», reitera a Academia Real das Ciências da Suécia.
Em 2018, B. Goodenough veio a Portugal para dar uma palestra na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O mesmo desassombro com que, apesar dos movimentos limitados pela idade, concluiu várias ligações aéreas para atravessar o Atlântico, ficou patente numa entrevista dada à Exame Informática: «Na Universidade de Oxford, também decidiram que eu era um químico – e convidaram-me para ser professor de química. E eu pensei para mim: «se acham que tenho toda esta imaginação, é melhor aceitar, e talvez consiga aprender alguma eletroquímica!».
Quanto ao feito alcançado com a nova geração de cátodos de iões de lítio durante a década de 1980, a descrição foi a seguinte: «Vi que toda a gente estava a desistir… e eu conseguia criar um cátodo descarregável, mas não conseguia criar um cátodo que se carregava. Mas depois concluí: trata-se de uma bateria recarregável, por que é que me hei de preocupar com o facto de só carregar ou só descarregar? Então, optei por criar uma bateria descarregável. Em vários pontos do mundo, havia quem combinasse lítio entre camadas de grafeno e assim resolvia-se o problema das dendrites – desde que não se fizesse um carregamento demasiado rápido. E então no Japão, houve quem pegasse no cátodo em carbono – e é isso que hoje o seu telemóvel usa. Os telemóveis usam o “meu” LiCoO2 (Iões de Lítio com Óxido de Cobalto) e usam grafite, para criar um ânodo de carbono. O que significa que se leva o lítio do meu cátodo para o cabono (do ânodo) e assim se faz a descarga. Quando sugeri que se fizesse isso, responderam-me que ninguém faz baterias descarregadas… e eu nem pensava em grafite, podia ser usada qualquer outra coisa. E assim foi criada a primeira bateria de iões de lítio…». Depois de passar pela Universidade de Oxford, o investigador regressou aos EUA, de onde é originário. Hoje ainda mantém um papel ativo, apoiando os trabalhos de Helena Braga, investigadora da FEUP radicada nos EUA.
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Esquema da bateria de B. Goodenough
Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences
B. Goodenough foi determinante para o sucesso das baterias de iões de lítio – mas não foi o primeiro a alcançar os primeiros feitos nesta área: À semelhança de B Goodenough, Stanley Whittingham começou a desenvolver novas tecnologias de armazenamento de energia na sequência da grande crise do petróleo da década de 1970. E foi assim que o cientista anglo-americano chegou ao desenvolvimento de cátodos com dissulfureto de titânio, que permitem acomodar iões de lítio.
Segundo recorda um comunicado da Academia Real das Ciências da Suécia, «o ânodo (o polo negativo) das baterias foi produzido com lítio metálico, que tem um grande potencial para libertar eletrões. Isto resultou no desenvolvimento de uma bateria que tinha literalmente um grande potencial, acima dos dois volts. No entanto, o lítio metálico é reativo e a bateria era demasiado explosiva para ser viável».
Esta faceta explosiva das baterias só viria a ser sanada na década seguinte, como já referido, por B Goodenough, com o desenvolvimento de uma solução que evitava o aparecimento de dendrites (filamentos que geram curto-circuitos) que, por vezes, ainda obrigam fabricantes de tecnologias a procederem à recolha de equipamentos com baterias defeituosas ou que aumentam o risco de explosão quando dobradas ou pressionadas.
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Esquema da bateria de Whittingham
Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences
Seria no Japão, pelas mãos de Akira Yoshino e tendo por ponto de partida o trabalho B. Goodenough, que se chegaria ao desenvolvimento da primeira bateria de iões de lítio desenhada para entrar no circuito comercial. Corria o ano de 1985, e a nova bateria haveria de mudar a história energética do mundo com um cátodo de coque de petróleo (um material de carbono) que, à semelhança do óxido de cobalto, também pode acomodar iões de lítio intercalados ao nível molecular. Deste modo, eliminou-se os riscos de explosão associados ao lítio metálico e foi possível criar uma bateria leve e recarregável centenas de vezes até começar a registar as primeiras perdas de capacidade ou desempenho.
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Esquema da bateria de Yoshino
Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences
«A vantagem das baterias de iões de lítio é que não são baseadas em reações químicas que destroem elétrodos, mas antes em iões de lítio que fluem para frente e para trás entre ânodo e cátodo», recorda o comunicado da Academia Real das Ciências da Suécia, para depois lembrar o salto qualitativo desencadeado pela primeira bateria com esta tecnologia: «As baterias de iões de lítio revolucionaram as nossas vidas desde que entraram no mercado em 1991. Funcionaram como as fundações da nossa sociedade sem fios e sem petróleo, e produziram um dos principais benefícios para a humanidade».